Esta resenha foi publicada originalmente no Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG) em cinco de março de 2022. O texto não passou por nenhum tipo de revisão; notei ao relê-lo que há muitas orações intercaladas longas e tortuosas, portanto, talvez o reescreva algum dia.
Clive Barker é um nome muito
conhecido entre os fãs de terror devido, primariamente, à série de filmes
Hellraiser, baseada no seu livro Hellbound. Candyman é um conto da mesma época
deste livro; ambos são de meados dos anos 1980. Foi publicado no Brasil,
oportunamente, pela Darkside Books em um livro que conta com um ótimo posfácio
do jornalista Carlos Primatti. Lançado em uma coletânea, a escolha deste
formato, publicado individualmente, deve-se provavelmente à recente adaptação
cinematográfica dirigida por Nia DaCosta, lançada no ano passado, e surpreendentemente
roteirizada pelo genial Jordan Peele, conhecido por ser um humorista ácido. Uma
série de três filmes já havia sido produzida nos anos 1990, tomando uma série
de liberdades em relação à trama original, conforme explica Primatti. Uma
delas, também utilizada na adaptação cinematográfica da HQ Hellblazer, do
emblemático John Constantine, personagem criado por Alan Moore, é migrar a
história da Grã-Bretanha para os Estados Unidos. Neste caso, o filme
Constantine saiu terrivelmente descaracterizado. Não vi nenhum dos Candyman,
mas se os diretores foram talentosos, eles tinham um ótimo material em mãos,
fácil de adaptar. Barker sempre foi multimídia, desde cedo. Na Unicamp vi um curta-metragem
que ele estrelou e dirigiu nos anos 1970; ele dirigiu também longas e clipes;
as HQs adaptadas de Hellraiser, feitas por grandes nomes como Ted McKeever e
publicadas no Brasil no início dos anos 1990, são as melhores que já vi
adaptadas de uma obra cinematográfica, pois não se propõem a recontar a
história dos filmes, mas sim levar seus personagens para épocas e situações
distintas, pois são seres demoníacos intemporais. Aliás, este é o mesmo
expediente de Candyman: embora chamado de demônio no livro, ele não é
exatamente isso, assim como também os cenobitas sadomasoquistas do Hellraiser
não são diabos da concepção cristã. Suas vítimas não são escolhidas a esmo para
ser atormentadas, elas é que os procuram. No caso de Hellraiser, é através de
um dispositivo; em Candyman, é a curiosidade mórbida da protagonista Helen
Buchanan, acadêmica enfastiada com a arrogância de seus pares e com a indiferença
do seu infiel marido, Trevor. Ao duvidar das histórias de massacres e
crueldades de Candyman, ela acaba por invocá-lo. Barker é um narrador muito
envolvente; no começo parece que estamos diante de um romance policial. Não há
nenhuma invocação baseada em clichês como pentagramas; é a busca obcecada da
protagonista por histórias que não fazem parte do seu objeto de pesquisa que
acabam por levá-la à senda sinistra da qual seria poupada se deixasse de lado
os rumores que ouviu. A imprudência de Helen, ao fazer uma pesquisa de campo
sobre pichações e grafites num conjunto habitacional abandonado pelo poder
público que o inaugurara com pompa três anos antes apenas para vê-lo tomado por
heroinômanos e muita pobreza, desde o princípio a põe em situações de risco. A
ameaça está sempre presente, mas ela não parece pressenti-la, ao menos não no
seu sentido sobrenatural. Barker deve ter sido influenciado por Lovecraft, pelo
pouco que li deste: faz descrições precisas e constrói um clima que se revela
lentamente, no qual o inefável e o inelutável estão constantemente à espreita.
Daniel Souza Luz é jornalista, professor,
escritor e revisor
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