Esta resenha foi publicada na página oito do Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG) em dois de abril de 2022. O texto foi revisado por mim mesmo, no afogadilho, então talvez precise de correções posteriormente.
Este livro é de 2015 e foi
lançado pela editora Dublinense; no entanto, foi relançado no fim de 2021 e
distribuído como brinde no clube de assinaturas TAG também no final do ano
passado. Frizero é um escritor gaúcho que talvez seja apresentado a um público
maior devido a isso. Tomara, a se julgar por essa obra. Longe das Aldeias é um
romance, como destacado na capa, e é curtíssimo. Ou, talvez, devido a isso, uma
novela. De qualquer forma, categorizações à parte, é um primor de concisão que
traz uma história sufocante cuja intensidade é ressaltada no corte preciso. A
trama revela-se aos poucos. Temos uma família de emigrados que vive no Brasil;
isso é óbvio, mas não é dito em momento algum em que lugar estão. Apenas
sabe-se que atravessaram o oceano para viver num país tropical, daí o porquê do
batismo do livro, mas é fácil depreender que vivem entre brasileiros pelos
nomes e rumos dos namorados de uma das personagens centrais. De onde vieram e
quando também é impreciso, porém, também é possível inferir que se trata da
Europa. Trata-se de algum lugar destruído por uma guerra no qual a intolerância
religiosa levou a um genocídio. Seriam judeus à época da Segunda Guerra Mundial
ou mulçumanos quando da fragmentação da antiga Iugoslávia seguida das cruentas
guerras subsequentes? Só se sabe que seus inimigos são cristãos. De qualquer
forma, os horrores, se não os mesmos, são sempre incomensuráveis e quase incompreensíveis,
dado que religiões em geral pregam a congregação entre os homens, mas,
obviamente, suas estruturas verticalizadas favorecem o autoritarismo e o ódio a
quem é diferente. Da família, sabe-se que duas irmãs aportaram na nova terra,
uma delas com o filho recém-nascido, Emanuel. O fio condutor é tecido por ele,
que tenta entender quem é a figura fantasmagórica do pai, Josif, e como os
demais parentes pereceram. A mãe, Marija, tem uma doença debilitante e a
progressiva perda de contato com a realidade leva-a com frequência a alucinar
com o passado e a guerra. Ela e irmã, Mirna, jamais contaram em detalhes o que
aconteceu, embora cultuem a memória da família. Resta a Emanuel, que vai
estudar História na faculdade, juntar pontas soltas dos relatos da progenitora
e da tia com a leitura de livros sobre a política bélica de terra arrasada. O leitor
experimentado logo adivinha quem é o pai e como Emanuel foi concebido – ele só
não percebe logo por que é muito jovem e é um terror difícil de ser encarado,
embora ele o intua. Isso, no entanto, em momento algum ofusca o impacto da
história. A mãe é aparentemente uma figura opressiva, mas tanto o protagonista
quanto o leitor vão compreendendo suas razões e as intricadas mentiras que
construiu. Plasmando o rebento a seus inimigos e mesmo à religião deles, embora
não abandonando a sua, ela recobra a humanidade. Há muito lirismo em meio à
brutalidade, o pendor poético do autor não vem à tona apenas nos poemas que ele
concebeu como se fossem de Emanuel, que os lê para a mãe adoentada. A
narrativa, portanto, não é seca, mas sim adornada com passagens sutis que
jamais edulcoram nada, apenas lembram-nos que certa fantasia é o que tornam o
intolerável algo suportável, dando algum sentido à vida.
Daniel Souza Luz é professor,
jornalista, escritor e revisor
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