Esta crônica foi publicada na página 7 da edição 7896 do Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG) em 10 de dezembro de 2022. O texto não passou por revisão, portanto, pode ter alguns erros.
Na semana passada escrevi sobre um dos livros do advogado
Marcos Mattioli. Chamado Causos e Contos, nele descobri que meu pai fazia parte
da “turma do Bortolan”, assim denominada porque os amigos de Mattioli
costumavam reunir-se para churrascos numa casa dele naquele bairro. Nunca soube
disso, deve ter sido quando meu pai tinha boa saúde e ele mesmo ia nessas
festas. Depois que ele adoeceu no final de 2009 era eu quem o levava e
geralmente buscava, mas todas as vezes na casa do Mattioli na rua Corrêa Netto.
Como expliquei na crônica anterior, sempre me recusei a participar dessas festas
quando fui convidado. Não sou chegado em bebedeiras. Um dia, no entanto, fui
parar em uma reunião da turma, bem mais velha do que eu. Meu pai estava ficando
turrão e teimava em beber. Teve dois AVCs; o primeiro sem sequelas, o segundo
prejudicando consideravelmente sua visão. Ele não podia com álcool, os médicos
avisavam constantemente. Mas tudo bem, estou ficando velho e provavelmente
teimoso também. Nem devo perceber. Enfim, no finzinho de setembro de 2013, num
sábado à tarde, meu pai iria numa das festinhas da turma, mas na Cascatinha.
Minha mãe, preocupada, pediu que o acompanhasse, para que ficasse de olho nele
para que não bebesse. Eu planejava ficar em casa, tranquilo, naquele dia, lendo
um romance – salvo engano, da Anaïs Nin. Fui, mas fui contrariado. Chegando lá,
numa residência com uma escadaria considerável, próxima ao bairro Santa Rita,
não me recordo mais de quem, fui apresentado ao pessoal. Lendo o livro de
Mattioli, recordo-me de alguns nomes: Colobardini (um ex-promotor público, conhecido
como Colô), o dentista Norberto Danza, o ex-prefeito Sebastião Pinheiro Chagas,
Bob e Rebite. Havia muitos outros presentes, cujos nomes não guardei.
Procuraram me deixar à vontade, mas eu estava preocupado. Não conseguia relaxar:
não podia dar bobeira, pois meu pai daria alguma desculpa para beber. Pinheiro
Chagas veio conversar comigo; disse que eu era muito sério e que eu lembrava
muito o Carlos Drummond de Andrade, que ele conheceu pessoalmente. Não
fisicamente, mas no jeito de ser. Achei que era elogio, tomo até hoje como se
fosse, mas não era: ele me disse que eu era sério demais, como Drummond era,
mas que isso não vale a pena. “O que realmente importa na vida é rir”,
asseverou, sério. Perguntou se eu gostava de literatura, pois falei um pouco
sobre o Drummond quando ele tocou no seu nome, e recitou para mim um de seus
sonetos quando confirmei. Voltou a insistir para que eu risse da vida e foi
sentar-se à mesa para falar bobagem e dar risadas. Até parece que eu ficaria de
bom humor: no livro de Mattioli, Pinheiro Chagas escreveu que gostava de pagar
cerveja para várias pessoas, uma delas meu pai. Eu não sabia disso, mas dava
para intuir e mantive a vigília. Creio que notaram minha encanação e um dos
amigos do meu pai, de quem me lembro bem, mas de cujo nome não me recordo,
assegurou que não deixariam que ele bebesse. Fui chamado à cozinha para pegar
um pouco de arroz, vinagrete e pão para comer a carne que estava ficando
pronta. Lá conversei por alguns minutos com uma moça, creio que a anfitriã.
Também não me lembro mais do nome dela, peço perdão. Ela me perguntou se eu
conheci o “gordinho da Cibel”, o que sempre andava de moto. Sim, o conheci. E,
também, esqueci-me do nome. Ela me contou que era a mãe dele. Ele morreu num
acidente. Eu tinha medo dele na escola, parecia ser um bully. Nunca me fez
nada, no entanto, e, curiosamente, conversei brevemente e amigavelmente com ele
num churrasco poucos meses antes do acidente. Acho que disse isso para ela. É
curioso como inimigos imaginários da infância vão deixando de sê-lo. De volta à
mesa, flagrei uma cena curiosa: Norberto Danza estava dormindo sentado.
Contaram uma piada ou causo que fez os presentes darem gargalhadas. Ele acordou
com a risadaria e caiu na risada também, sem fazer ideia do que foi dito. De
pronto, pediram pra ele fazer um truque – ele também era mágico, além de
escritor. Inadvertidamente, já senil, atrapalhou-se e revelou como era feita a
mágica. Foi aplaudido, riu mais ainda. Então relaxei e aproveitei a festa. Quanto
ao livro da Anaïs Nin, comecei a lê-lo de novo anos depois e até hoje não o
concluí. Não era pra ser.
Daniel Souza Luz é jornalista, professor, escritor e revisor
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