Este artigo, um híbrido de crônica e resenha, foi publicado na página 7 da edição 7901 do Jornal da Cidade (de Minas Gerais/MG) em 17 de dezembro de 2022. Trata-se de mais uma tentativa de recuperar a memória da obra de Mattioli, para que não caia num limbo. Eu mesmo revisei o texto, ou seja, o olhar já cansado pode ter deixado passar uns errinhos.
Nestas semanas tenho escrito
sobre a obra do advogado Marcos Mattioli e sua turma, pois completaram-se dois
anos de seu falecimento no fim de novembro. O que me assombra é que muita gente
aqui lança livros, a imprensa divulga os lançamentos, mas quem os lê depois?
Mais do que isso: quem reflete sobre o que leu e registra isso? Poucos traços
da existência dos autores permanecem acessíveis. Em uma busca detalhada na
internet não encontrei nenhuma referência ao livro Um Mineiro em Copacabana, do
Mattioli. Meu pai tinha um exemplar deste livro, com uma dedicatória datada de
29 de maio de 2016. Seria a provável data de lançamento? O prefácio, da lavra
de Antônio Luiz Fontela, é de dois de julho de 2002. Depois pergunto para
Fontela se o lançamento do livro demorou mais de uma década, se é uma reedição
ou se Mattioli presentou meu pai com o livro muitos anos depois. Devia ter
começado por esse, teria uma melhor impressão de Mattioli como escritor –
embora ele dissesse que não o era. Talvez tenha sido uma defesa, consciente,
para a escrita desleixada, apressada (há uma profusão de conectivos, sem
pontuação) e desorganizada. Não é por isso que ele deixava de ser escritor. Já
salta aos olhos a capa, belamente ilustrada por Cida Costa Laier, também já
falecida. É um prenúncio de um opúsculo, como bem define Fontela, mais
refinado. Este livro não é tão problemático quanto Causos e Contos, não há
tantos erros de português/digitação, mas também, como sempre, falta revisão e
sobra incorreção política. A narrativa é mais caprichada, portanto é uma
leitura mais prazerosa. Fui injusto ao dizer que Mattioli não era um narrador
habilidoso ao comentar o livro anterior. Aqui ele narra suas memórias com muito
mais eficácia, até porque não divide as histórias em vários pedacinhos. Não é
um primor, pois os tempos verbais causam confusão ao misturar presente e
passado. De qualquer forma, é possível entender perfeitamente seu começo de
vida profissional e amorosa em Poços, sua ida para o Rio de Janeiro, as
aventuras na capital carioca e arredores, suas motivações e seu retorno.
Especialmente pungente é o relato do falecimento de sua mãe, Ophélia, em 2001.
E há muitas outras passagens nas quais ele soube contar uma boa história, como
a saborosa desventura da Kombi quebrada e dos caroneiros. Em contrapartida, há
também um mal que acomete muitas obras de escritores poços-caldenses: a mania
de fazer listas. Não se desenvolve a história dessas pessoas, não sabemos como
elas foram em carne e osso. É um mero registro histórico que se caracteriza
pela incompletude, ao qual é preciso recorrer à memória alheia de quem ainda
está vivo ou fazer inferências. Por exemplo, meu pai é citado numa dessas
listas de nomes, então agora sei que a casa na qual se reunia a “turma do
Bortolan” da qual ele fazia parte chama-se ou chamava-se Recanto das
Jaboticabeiras. Como muitas obras de autores interioranos lançadas apenas
localmente, há logos de patrocinadores ao fim e informações dispensáveis que
parecem tiradas de guias turísticos. O diferencial é que o final conta com uma
espécie de coda na qual letras de músicas puxam lembranças de encontros com
amigos ou o testemunho apresentações ao vivo de músicos do quilate de Tom
Jobim. E que pena que o livro que Mattioli ganhou de JK, com um autógrafo, tenha
sido surrupiado.
Daniel Souza Luz é jornalista, professor, escritor e revisor
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