Este artigo/crônica/memórias foi publicado originalmente no fanzine Discos que F... Muitas Vidas em meados de 2022. Escrevi-o em 2021 a pedido do editor do zine, Renato Lauris Jr. Esta é uma versão resumida daquele artigo (ainda pretendo republicá-lo na íntegra), mas aqui faço uma correção importante: no original atribuí erroneamente o vocal de C´Mon Everybody ao Steve Jones. Editei esta versão para que coubesse na paginação do Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG), no qual foi publicada na página 9 da edição 7946 em 18 de fevereiro de 2023.
Fui criança, pré-adolescente e
adolescente na década de 1980. Como todo mundo àquela época, geralmente
conhecia uma banda ao ler a respeito e só ouvia depois – eventualmente, décadas
depois. Nunca me canso de contar esta história: pouco depois do lançamento de
Sid and Nancy, li sobre o filme e fiquei fascinado. O que nunca falei a
respeito, no entanto, foi a circunstância engraçada: foi numa revista Veja no
consultório do pediatra e eu, num ato de delinquência juvenil, arranquei a
página da revista. Tenho guardada até hoje! Sei que Sid Vicious era um junkie
violento – na verdade a revista já dizia isso – mas isso não me interessava ou
interessa. O que me deixou tão maravilhado foi: o cara não sabia tocar baixo e
foi ser baixista do Sex Pistols. Deu errado, mas podia ter dado certo. O que me
maravilha foi exatamente o “não sabia que era impossível e fez” – só que fez
errado, pois dane-se, inclusive foda-se esse maldito ditado. Um exemplo de
vida. E o grupo chamava Pistolas Sexuais, eu estava aprendendo inglês e consegui
entender – mas também é fácil de deduzir. Cara, como que podiam existir coisas
assim? Acho que por isso eu, que era tão tímido e estudioso, resolvi roubar
aquela página. O Sex Pistols já começou comigo do jeito certo: como uma má
influência.
Era uma das minhas bandas
favoritas. Sempre falava a respeito com alguns amigos. Só que eu nunca tinha
ouvido, nem esses amigos. Isso foi nos idos de 1988. Nessa época, conheci
através de programas de skate, fitinhas cassetes de amigos e até mesmo rádio os
Ramones, Toy Dolls, Replicantes e Garotos Podres (só Papai Noel Velho Batuta no
caso desses, que ouvia em rádio FM – incrível, não?). Já estava escolado no
punk rock, creio. Formado no jardim da infância e pré-escolar. Mas os Sex
Pistols continuaram inacessíveis até que ouvi C’Mon Everybody no Grito da Rua,
um extinto programa da TV Gazeta sobre skate. Foi maravilhoso, mas não sabia
que era uma cover do Eddie Cochran, pioneiro do rock, e muito menos que era o Sid
Vicious que a cantava – curiosamente, me lembrava do nome dele e do guitarrista
Steve Jones, mas não me recordava do nome do Johnny Rotten, então foi
apropriado para aquele momento. Mas o grande dia chegou: minha avó Arminda me
deu dinheiro no meu aniversário de 15 anos para eu fazer o que quisesse. Dava
para eu comprar um disco de vinil, o meu primeiro.
Fui numa loja, já extinta, no centro
de Poços. Foi em dezembro, um mês depois do meu aniversário, pois meus avôs
moravam numa cidade vizinha, Botelhos, e só quando fomos visitá-los que ela me
deu o dinheiro em vez de um presente, o que foi uma grande sacada dela e do meu
avô Eurico. Na lojinha de discos tinha um cara olhando uns vinis e me chamou a
atenção o Paul’s Boutique, do Beastie Boys. Ele tinha uns dreadlocks, mas era
branco. Achei que ele manjava de rap e o abordei: “Beastie Boys é bom, né?”. Eu
tinha lido sobre eles, mas creio que ainda não os tinha escutado naquela altura
da vida. Ele me ignorou, como se eu fosse um fedelho petulante. Fiquei com
raiva daquele escroto e fucei mais um pouco. Lá estava: Never Mind The Bollocks,
Here’s the Sex Pistols. Perfeito para a ocasião, hein? O título já dizia tudo.
Não tenho muito o que dizer do
disco em si. Naquela seção Discoteca Básica, da revista Bizz, tem um texto de
um gringo chamado Peter Price, um percussionista que tocou com as Mercenárias e
o Arnaldo Antunes, que é primoroso e diz tudo. Pesquisem nos sebos da vida, se
pá tem na internet. Mas, em suma, o que ele destaca é o artificialismo do som:
são guitarras e guitarras gravadas uma em cima da outra, “puxando o ouvinte
pelo pescoço”, nas palavras do Price, que aqui cito de memória, reduzindo tudo
a pó. Inclusive o baixo, que só consegui escutar depois de fazer aulas do
instrumento. E foi Jones que gravou quase todas as linhas de baixo, Vicious não
conseguia. Da minha parte, a produção, inspirada no conceito de wall of sound,
do Phil Spector, realmente me impressionou muito, mas não foi só isso: a música
era raivosa, parecia me chamar para a briga, não era divertida como os Ramones,
os Toy Dolls, os Replicantes, o Papai Noel do Garotos e os próprios Pistols com
Vicious no vocal. E o que puxava isso era o vocal de Johnny Rotten, que eu não
conhecia e que me deixou de queixo caído. Exalava ódio. Era algo inaudito para
mim.
Foi a abertura da porta para o
hardcore, o thrash metal, o grindcore e outras formas de música mais extremas
para mim. Claro que os Pistols soam inofensivos perto de sons assim. Hoje John
Lydon não passa de um conservador patético que nada lembra o jovem Johnny
Rotten ou ele mesmo, com seu nome verdadeiro, no começo do PIL – que me
fascinou tanto quanto os Sex Pistols, até porque dava para escutar o baixo. Eu
já estava preparado para o pós punk também. Só que isso é outra história.
Daniel Souza Luz é revisor,
jornalista, escritor e professor.
A icônica capa de James Reid consertada à mão. A foto é de Tony McNeill, reproduzo aqui via licença Creative Commons e recomendo que se clique no link para se ler a fascinante história do vinil, o conflito familiar do qual ele foi centro e o conserto à canetinha pelo qual a capa passou. |
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