Lembro quando comecei a achar
carnaval algo idiota. A explosão do ônibus espacial Challenger foi em 1986 e no
carnaval daquele ano meus pais me levaram em uma matinê no Palace Casino, no
centro de Poços, junto com meus irmãos. Pode até ter sido o de 1987, mas como o
acidente foi em janeiro provavelmente foi em 1986 mesmo. Lembro-me de andar na
praça para chegar ao local, de estar um clima legal, de ver crianças soltando
bolhas de sabão. Então entramos no salão: um monte de criancinhas chatas
correndo de um lado pro outro, aquelas músicas de sempre (“Maria Sapatão,
Sapatão, Sapatão...”). Não entendi por que se pagava para entrar lá. Afinal, na
rua também tinha folia. Achei tedioso, mas não estava horrível. Talvez meus
irmãos tenham se divertido, não me lembro mais. Não seria nada marcante, a não
ser por um detalhe: uma das pinturas na parede retratava a explosão da
Challenger. Mesmo aos 11 anos, achei o cúmulo da idiotice; o que tem a ver a
morte de sete astronautas com uma festa teoricamente alegre? Eu fiquei muito
incomodado, pois adorava ler sobre astronomia e exploração espacial. Comecei a
ter antipatia por carnaval naquele instante e também por Poços de Caldas, que
passei a ver como uma cidadezinha besta. Ainda não tinha palavras para isso,
mas instintivamente notei uma mentalidade provinciana na cidade, que cultuava
tudo que era arcaico. “Os tabaréus comemoram mesmo a explosão de qualquer um
que possa significar conhecimento para a humanidade”, escrevi posteriormente.
Para mim carnaval, na real, era isso: um bando de idiotas se divertindo às
custas dos outros. Bem naquele estilo Jorge Perdigoto, a paródia de
carnavalescos cafajestes feita pelo grupo humorístico Hermes e Renato. Mas eu
era bem pretensioso para alguém tão jovem, hein? No fim da adolescência, capitulei
e até enchi a cara em alguns carnavais. Foi bacana, mas, no geral, os que mais
me diverti foram os que passei isolado, lendo livros, longe de quem eu
considerava imbecil. Pois bem, hoje noto como eu estava errado. Só compreendi
isso de vez no carnaval de 2010. Foi quando entendi a função libertadora da
festa. Meio por acaso, curei-me de vários males. Eu me diverti à beça, como
poucas vezes na vida. Cheguei até ver desfile das escolas de samba no
sambódromo do Rio de Janeiro dois anos depois. Qualquer carnaval é bom, claro:
seja caindo na folia ou isolado lendo, vendo filmes e ouvindo música; lembro de
um ótimo inclusive, creio que em 1999, no qual não fiz muita coisa além de ouvir
discos do Kraftwerk e do Wipers. Hoje penso que quem pintou aquele painel da
explosão da Challenger no Palace Casino talvez quisesse apenas registrar fatos
históricos recentes; salvo engano, puxando do fundo da memória, tinha até uma
pintura do Tancredo Neves lá, falecido um ano antes. Isso poderia ser
considerado, talvez, de mau gosto também, quem sabe? Ou entendido como simples
homenagem. No caso do ônibus espacial, teria sido melhor pintar retratos dos
astronautas do que que a explosão. Vai ver isso nem passou pela cabeça do(s)
artista(s), pois daria mais trabalho. De qualquer forma, não me senti ofendido
pela pintura do recém-falecido Tancredo. Se a Challenger não tivesse explodido,
se a professora a bordo tivesse ido ao espaço, talvez a exploração espacial
agora estivesse num patamar ainda mais avançado e eu teria aproveitado melhor
mais carnavais.
Daniel Souza Luz é revisor, jornalista e escritor
Esta crônica foi publicada na página 9 da edição 7948 do Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG) em 25 de fevereiro de 2023. Em relação à versão publicada no jornal corrigi apenas um erro de digitação e alterei um pequeno trecho para melhorar o entendimento.
O ônibus espacial Challenger em 26 de janeiro de 1983, três anos antes do acidente. Foto de domínio público publicada pela NASA. |
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