Sentei no meu trono do banheiro do fundo, abri o jornal e me senti um rei. Consegui ficar esquecido um bom tempo, quando voltei ao meu posto aparentemente não tinham sequer notado minha ausência e nem notaram minha presença, de qualquer forma. Foi tempo suficiente para descobrir que o "CEO" não gosta do Lerdo dedurando o tempo todo os deslizes dos outros funcionários no horário de expediente. O chefão conta para seu advogado que sempre calculou na relação custo/benefício esse tempo desperdiçado pelos funcionários, o que ele não suporta é ter o próprio tempo perdido ao saber detalhes de bobagens que não lhe interessam. Ouvindo a conversa, fecho o jornal o mais lentamente possível, para não fazer nenhum barulho, e descubro que o Lerdo só permanece na empresa por ser sobrinho de um vereador. Eles acabam de tomar um cafezinho, bem mais rapidamente que os funcionários. Enquanto escuto a discussão sobre a churrasqueira do Clube Náutico desvanecer entre passos no corredor, vou me arrumando devagar para sair do banheiro, dando tempo suficiente para ninguém imaginar que eu estava no banheiro.
Prestes a abrir a porta, escuto o Torto e o Babuíno trotando aos risos. Estavam falando mal do chefinho, se referindo jocosamente ao modo cheio de dedos como ele tratava seu "adevogado" e fazendo conjeturas a respeito de quão fracassada seria a filha dele, de tão mimada que a garota era. Justo eles, que tanto adulam o cara, buscam ela na escola quando o CEO estava ocupado, repetem suas expressões e até copiam suas roupas. Dois completos filhos da puta, ao menos pensava que eles tinham escolhido o seu lado, mas eles só miravam seus respectivos umbigos. Posteriormente ouvi detonarem-se mutuamente entre os colegas, separados apenas por uma divisória, sussurrando. Por motivos que já esqueci, porque eram decididamente irrelevantes. Eles se estenderam tanto no papo furado sobre as finanças da empresa que fiquei com saudade da minha mesa.
O Lerdo, esse sim era puro. Dedicado. Transparente. Só ligava para casa usando o celular, nunca o telefone do trampo. Sempre escancarando sua intimidade. Todos se sentiam à vontade para falar com ele. Fui hábil o suficiente para simular uma abertura ao descobrir o sobrenome dele. Era Fagundes. A princípio só eu o chamava pelo sobrenome, do qual parecia gostar muito, e satisfazia-se com as respostas genéricas com que retrucava suas perguntas. Boris era o único ali que também gostava de quadrinhos. Nunca comentou nada, mas definitivamente percebeu o que se passava. Tratou de popularizar o uso do Fagundes. Não podia mais zoar o Boris que ele apelava e dizia que sempre esquecia de trazer as Piratas do Tietê para eu relaxar um pouco no serviço. Fico imaginando o que se passava pela cabeça do povo quando eles escutavam isso. Com certeza percebiam que era piada interna, mas deviam achar que era referência a travecos, putas ou a algo com conteúdo sexual constrangedor. Um dia o Ogro criou coragem e perguntou o que diabos eram as Piratas do Tietê que um dia deveriam aparecer. Surpreendido comigo mesmo, respondi que era o modo como nos referíamos aos canhões de Sampa que tentavam nos atacar quando moramos em uma república lá, eu e Boris. Se era canhão, então associávamos a mina a pirata, e se era de São Paulo, tinha saído do esgoto do Tietê. Nunca tinha visto a fuça de Boris em Sampa. Disse tudo com tanta naturalidade que a história foi absorvida sem questionamentos. Boris, fascinado, disse que deveria tentar escrever. Até parece.
Prestes a abrir a porta, escuto o Torto e o Babuíno trotando aos risos. Estavam falando mal do chefinho, se referindo jocosamente ao modo cheio de dedos como ele tratava seu "adevogado" e fazendo conjeturas a respeito de quão fracassada seria a filha dele, de tão mimada que a garota era. Justo eles, que tanto adulam o cara, buscam ela na escola quando o CEO estava ocupado, repetem suas expressões e até copiam suas roupas. Dois completos filhos da puta, ao menos pensava que eles tinham escolhido o seu lado, mas eles só miravam seus respectivos umbigos. Posteriormente ouvi detonarem-se mutuamente entre os colegas, separados apenas por uma divisória, sussurrando. Por motivos que já esqueci, porque eram decididamente irrelevantes. Eles se estenderam tanto no papo furado sobre as finanças da empresa que fiquei com saudade da minha mesa.
O Lerdo, esse sim era puro. Dedicado. Transparente. Só ligava para casa usando o celular, nunca o telefone do trampo. Sempre escancarando sua intimidade. Todos se sentiam à vontade para falar com ele. Fui hábil o suficiente para simular uma abertura ao descobrir o sobrenome dele. Era Fagundes. A princípio só eu o chamava pelo sobrenome, do qual parecia gostar muito, e satisfazia-se com as respostas genéricas com que retrucava suas perguntas. Boris era o único ali que também gostava de quadrinhos. Nunca comentou nada, mas definitivamente percebeu o que se passava. Tratou de popularizar o uso do Fagundes. Não podia mais zoar o Boris que ele apelava e dizia que sempre esquecia de trazer as Piratas do Tietê para eu relaxar um pouco no serviço. Fico imaginando o que se passava pela cabeça do povo quando eles escutavam isso. Com certeza percebiam que era piada interna, mas deviam achar que era referência a travecos, putas ou a algo com conteúdo sexual constrangedor. Um dia o Ogro criou coragem e perguntou o que diabos eram as Piratas do Tietê que um dia deveriam aparecer. Surpreendido comigo mesmo, respondi que era o modo como nos referíamos aos canhões de Sampa que tentavam nos atacar quando moramos em uma república lá, eu e Boris. Se era canhão, então associávamos a mina a pirata, e se era de São Paulo, tinha saído do esgoto do Tietê. Nunca tinha visto a fuça de Boris em Sampa. Disse tudo com tanta naturalidade que a história foi absorvida sem questionamentos. Boris, fascinado, disse que deveria tentar escrever. Até parece.
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