Era a
nossa rua. Resolvemos que seria o nosso bairro.
As
primeiras exibições de Warriors, os
Selvagens da Noite na TV aberta foram um marco histórico para a minha
geração. A maioria dos moleques, invocados ou não, queria provar aquele gosto
de aventura fora-da-lei do filme. Sem armas, com senso de lealdade e resolvendo
desavenças na porrada, tal como no filme. As eventuais reprises iam amealhando
mais adeptos do “ganguismo” de araque, com o passar dos anos oitenta. Quem não
tem senso de aventura não vai entender que isso nada tem a ver com violência
gratuita, perda de valores da civilização ocidental e outras asneiras de missivista
padrão de jornal – para citar um ser verdadeiramente pernicioso d’antanho, hoje
transmutado nas fileiras de um exército virtual sem peias.
Então
montamos a nossa gangue. Fajuta, claro. Nem lembro o nome, se é que tinha. Não
tinha um Cisne, o líder do Warriors; nós todos éramos líderes, numa estrutura
horizontalizada, por assim dizer. E fomos tocar o terror, a nossa maneira. Ou
seja, não fazendo nada, só ficando sentados na esquina de baixo da Rua Platina,
jogando conversa fora e tomando conta do nosso “território”, um conceito tão
caro às gangues do filme. Nunca li o livro de Sol Yurick no qual foi baseado o
antológico filme de Walter Hill, então não sei se é algo tão importante na
trama original, mas imagino que sim. Para nosso bairrismo pueril, era
importante. Nosso território era aquela rua.
Finalmente,
um dia, nossas vítimas vieram ao nosso encontro. Uns molequinhos menores do que
nós que moravam na avenida que margeia o bairro Marçal Santos, a João Pinheiro.
Eles vieram jogar bola justo no nosso “território”. Nós os cercamos.
Perguntamos se eles tinham pedido licença para jogar bola lá. Claro que não.
Então os mandamos ir embora, pois explicamos que aquele era nosso território.
Fomos ameaçadores o suficiente para eles vazarem mesmo.
No dia
seguinte, depois da escola e do almoço, como de costume, nos sentamos sob a
sombra da árvore da esquina. Então o molequinho mais falante apareceu. Sozinho.
Desafiador. Com camisa de botão, penteado certinho e uma cara ingênua cheia de
verdades. Alguém perguntou o que ele queria. Acho que fui eu.
- Eu
conversei com meu pai e ele disse que não existe esse negócio de território!
Nós rimos
e o mandamos picar a mula. Ele se foi, obediente. Afinal, era menor que nós e
estava sozinho. Assim que ele se afastou, um de nós, creio que o Paulo Augusto
Rodrigues, adiantou-se e precaveu-nos.
- Sujou,
galera. Acho melhor não ficarmos na rua um tempo, para não dar rolo.
Abandonamos
nosso “território” umas semanas e não tocamos mais no assunto quando o
reocupamos, sem discutirmos com mais ninguém. O menino não voltou lá com o pai
dele. Não teve problema nenhum. Nós éramos mais bundas-moles do que Os Órfãos,
a pior gangue do filme.
Crônica originalmente publicada no Jornal da Cidade de 27 de maio de 2017, em Poços de Caldas. É baseado no meu texto Swans, o qual reescrevi e revisei.
Still do filme Warriors, os Selvagens da Noite (1979), dirigido por Walter Hill. |
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