O surgimento do Sararah – e seu
provável declínio, daqui a algumas semanas, ou mesmo dias – fez com que me
lembrasse de uma história constrangedora para mim. Achei que pegariam no meu pé
por anos, durante a adolescência, por causa dela, mas passou batido, para a
minha surpresa. Agora vou relembrá-la e eu mesmo vou queimar o meu filme.
Aliás, “queimar filme” é uma expressão denunciadora de certa senilidade
precoce, afinal não há mais filme algum a ser queimado, e algo extremamente
queima filme.
Mas peraí. Primeiro um suspense.
Não contarei a história assim, logo no começo. Vou te engambelar, leitor. Você
há de concordar que é necessária alguma contextualização. O Sararah é um
aplicativo saudita que permite o envio de mensagens anônimas. Segundo matéria
da BBC, significa “honestidade” em árabe. Faz-se um perfil no aplicativo e as
pessoas mandam as tais mensagens dizendo o que realmente pensam. Uma temeridade
em tempos de redes sociais cheias de discursos de ódio, mas na prática o
Sararah meio que virou um Tinder de quem vive na friendzone – traduzindo: outro
aplicativo, só que de pegação, para quem já conhece quem deseja, mas não tem
coragem de dizê-lo diretamente.
Creio que o Sararah já está
vivendo seu ocaso, francamente. Parece ter sido um rápido modismo. No entanto,
remete aos dias de correio elegante. Quando estava na sétima ou oitava série a
escola em que estudava, no fim dos anos oitenta, sei lá por que, num ato
lúdico, resolveu institucionalizar a prática. Na hora do recreio instalaram
alto-falantes no pátio e liam os bilhetinhos anônimos que os estudantes
escreviam uns para os outros. Tinha zoeira, que eles com certeza filtravam, mas
também havia os recadinhos de amor. Nunca recebi nenhum. Daí forjei um para
mim, mas deixei o bilhetinho cair do bolso. O bully da minha sala pegou antes
que eu pudesse esboçar reação, leu em voz alta e tirou o maior sarro, na frente
de todos.
Achei que pagaria caro por isso,
mas logo fui esquecido, conforme expliquei no início. Minha falta de carisma
não me permite nem ser alvo de bullying. Voltando a 2017, quando notei o
Sararah se alastrando, fiz um perfil e logo já fui mandando recado para mim
mesmo, mas eu mesmo me delatei assim que o fiz. Afinal, delação também está na
moda e pode render algum bônus. Surpreendentemente, recebi alguns recadinhos
legais de terceiros sim. Mas nude que é bom ninguém mandou.
Crônica publicada no Jornal da Cidade, Poços de Caldas, em 26/08/2017.
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