Na escola, nas séries iniciais,
odiava quando as professoras nos ensinavam a identificar a estrutura literária
de um texto. Criança ainda, me insurgia contra a noção de que o clímax textual
deveria ser sempre um pouco antes do fim. Em vários escritos isto não tinha
sentido; às vezes, note-se, sequer estava presente este suposto orgasmo
literário. Ou, como isto é subjetivo, para mim o clímax era noutro ponto. Adulto,
vejo como estava certo.
Entretanto, esta recordação
retornou avassaladora quando estava quase terminando a leitura de Ganga-Zumba,
livro épico de João Felício dos Santos, dias atrás. Ao decorrer das peripécias,
a despeito da trama se passar no Nordeste e narrar as aventuras e desventuras de
Zumbi dos Palmares, Dandara e inúmeros negros que não se submeteram à
escravidão, foi solidificando-se em mim a percepção de que a narrativa
mimetizava as epopeias clássicas gregas. Nunca as li, mas curiosamente as
conheço desde criança, devido às adaptações cinematográficas que assisti nos
anos oitenta, na Sessão da Tarde. Perto do fim do livro, reconheci uma
referência explícita às odisseias gregas numa frase de um lirismo paradoxalmente
rude. Num instante de enlevo, emiti um “Nossa!” inaudível, que só reconheci
porque eu mesmo articulei a interjeição. Fiquei boquiaberto. Literalmente boquiaberto,
o que jamais acontece, que eu saiba.
Na página seguinte está a
conclusão da história. Plácida, muito plácida. Tenho que reconhecer como minhas
professoras do Instituto Educacional São João da Escócia eram boas. Não sou
muito chegado no conceito de politicamente correto, mas lembro vagamente até de
explicações em sala de aula sobre como o adjetivo “negro” não era racista e lembro-me
que estranhava a conotação negativa que davam à palavra. Incomodava-me,
sobremaneira, o verbo “judiar”, que desde tenra idade me parecia preconceituoso
com judeus – e é mesmo, como vim a descobrir. Jamais o uso. Mas o uso
corriqueiro das palavras negro e negra como adjetivos pejorativos é
estigmatizador também, a despeito das justificativas dadas em sala de aula. Não
deveria ser. No futuro, ou seja, agora, a leitura do romance histórico sobre o
que se passou no Quilombo dos Palmares iluminou a minha existência.
Esta crônica é uma reelaboração da minha micrônica 1927, reescrita e ampliada. O título é uma homenagem à banda brasileira de pós punk experimental Black Future. Foi publicada originalmente no Jornal da Cidade (Poços de Caldas) em 19 de agosto de 2017.
Tirei com celular a foto da edição que li do Ganga-Zumba, publicada em 1985 (o livro foi publicado primeiramente nos anos sessenta). |
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