Os
cabelos bem penteados, os óculos escuros e a camisa social contrastam com as
mangas puídas dobradas, a bermuda, as meias esgarçadas e as sandálias com as
tiras de trás estouradas. Aquele homem pouco envelhecera na última década – já
estava alquebrado e com as linhas de expressão acentuadas há pouco mais de dez
anos. À época, concedia entrevistas, um pouco mais bem vestido, à frente de um
projeto social, já naufragado. Agora, nitidamente, depende de assistência
social.
O
repórter aposentado sempre o via caminhando desalentado pela rua. Naquela
manhã, o extenuado jornalista acordara desanimado com o tempo chuvoso; a
depressão lhe invadia e, por mais esforços que envidasse, era difícil
superá-la. O súbito aparecimento do sol e o céu azulando-se incutiram-lhe ânimo
e resolveu abordar aquele homem, a quem já entrevistara para um jornal hoje tão
extinto quanto ambos.
- Bom
dia!
- Bom
dia... – respondeu desconfiado o homem que já não parecia ter como envelhecer
mais ainda.
- Eu já
entrevistei o senhor algumas vezes, lembra-se? Desculpe-me, não lembro seu
nome.
Não houve
resposta. O homem desgastado e agastado permaneceu com o olhar receoso. O velho
jornalista, por força do hábito, insistiu:
-
Você tinha um projeto social, como que se chamava mesmo...?
- Ora, vá
se meter com a sua vida! – retorquiu aquele sujeito que algum dia foi
midiático, mas agora parecia querer evanescer. A frase escapuliu com desespero,
sem muita agressividade, como que também quisesse pedir desculpas, impressão
reforçada pelo olhar implorando piedade.
Seguiram
em sentidos opostos, sem olhar para trás, assim como a vida fez com eles.
Daniel
Souza Luz é jornalista e revisor
Este conto (ou crônica, conforme definido pelo jornal, já nem sei mais em qual gênero qualificar) foi publicado no Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG) em 22 de setembro de 2018. É uma versão levemente reescrita do meu conto A Tristeza Insinua-se no Dia Ensolarado, publicado aqui no blog em cinco de abril de 2015. Alterei o título para homenagear a banda gótica/pós punk/folk quase inqualificável Dead Can Dance, achei que era cabível e mais adequado.
A crônica (ou conto, depende de como você quiser indexar) na versão impressa do jornal. |
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