Os cabelos bem penteados, os
óculos escuros e a camisa social contrastam com as mangas puídas dobradas, a
bermuda, as meias esgarçadas e as sandálias com as tiras de trás estouradas.
Aquele homem pouco envelhecera na última década – já estava alquebrado e com as
linhas de expressão acentuadas há pouco mais de dez anos. À época, concedia
entrevistas, um pouco mais bem vestido, à frente de um projeto social, já
naufragado. Agora, nitidamente, depende de assistência social.
O repórter aposentado sempre o
via caminhando desalentado pela rua. Naquela manhã, o extenuado jornalista acordara
desanimado com o tempo chuvoso; a depressão lhe invadia e, por mais esforços
que envidasse, era difícil superá-la. O súbito aparecimento do sol e o céu
azulando-se incutiram-lhe ânimo e resolveu abordar aquele homem, a quem já
entrevistara para uma rádio hoje tão extinta quanto ambos.
- Bom dia!
- Bom dia... – respondeu
desconfiado o homem que já não parecia ter como envelhecer mais ainda.
- Eu já entrevistei o senhor
algumas vezes, lembra-se? Desculpe-me, não lembro seu nome.
Não houve resposta. O homem
desgastado permaneceu com o olhar receoso. O velho jornalista, por força do
hábito, insistiu:
- Você tinha um projeto social, como que se
chamava mesmo...?
- Ora, vá se meter com a sua
vida! – retorquiu aquele sujeito que algum dia foi midiático, mas agora parecia
querer evanescer. A frase escapuliu com desespero, mas sem muita agressividade,
como que também quisesse pedir desculpas, impressão reforçada pelo olhar
implorando piedade.
Seguiram em sentidos opostos, sem
olhar para trás, assim como a vida fez com eles.
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