Saturday, February 26, 2022

Curso pré-vestibular comunitário Educafro abre inscrições para a turma de 2022

 Este release foi enviado para a imprensa de Poços de Caldas a partir de 18 de fevereiro de 2022.

O cursinho pré-vestibular comunitário Educafro em Poços de Caldas abriu suas inscrições para a turma de 2022. Neste ano as aulas voltarão a ser presenciais, em uma sala cedida pelo campus local do Instituto Federal do Sul do Minas, na Zona Sul, após terem sido feitas de forma remota durante todo o ano passado. As inscrições são gratuitas e estarão abertas do dia 21/02 a 01/03, apenas de forma online, através de formulário que será disponibilizado na página Educafro Poços de Caldas no Facebook.

As aulas terão início em 07/03 e a aula inaugural será ministrada pela professora Tita, como é mais conhecida a ex-vereadora Maria José de Souza, que fez história na educação do município. O curso é destinado a estudantes de baixa renda provenientes do ensino médio da escola pública ou com bolsa integral em escolas particulares. A seleção será feita entre dois e quatro de março, seguindo não só critérios socioeconômicos, mas também étnicos e de idade; ou seja, ser negro e/ou estar há mais tempo longe das salas de aula conta para ser selecionado prioritariamente, pois o curso tem caráter inclusivo. Apesar de ser formalmente ligado aos franciscanos, o curso é laico, não sendo a religião, ou mesmo a ausência dela, critério para a seleção. Todos os professores e coordenadores são voluntários.

 O Educafro é um movimento social que atua em rede; foi fundado pelo Frei David Santos na Baixada Fluminense, no município carioca de São João do Meriti, em 1993. Por isso o cursinho possui, em sua grade, a disciplina Cultura e Cidadania, na qual são abordadas questões sociais como identidade de gênero, racismo, homofobia, transfobia, sexismo, direitos reprodutivos e outras temáticas relativas aos Direitos Humanos. O núcleo do Educafro em Poços funciona desde 2003 e chama-se Laudelina de Campos Melo, batizado em homenagem à poços-caldense que foi a fundadora do primeiro Sindicato de Domésticas do Brasil.

Caso o candidato seja aprovado na seleção, há uma colaboração anual de R$ 50,00, que é usada para manutenção do curso e materiais para os alunos. Não são cobradas mensalidades. Mais informações sobre o voluntariado ou as inscrições podem ser obtidas por mensagem ou ligação para 98838-9741 (José Mário) ou 98803-3526 (Tiago). Além disso, o e-mail pocos.educafro@gmail.com ou a página no Facebook: Educafro – Poços de Caldas também estão disponíveis para sanar dúvidas.

Texto: Daniel Souza Luz

Revisão: Juliana Gandra              

Foto: Diogo Lira

Encontro do Educafro Minas no Centro de Cultura Afro-brasileira Chico Rei, zona oeste de Poços de Caldas/MG, 2016. Foto gentilmente cedida pelo ex-aluno Diogo Lira.


Monday, February 21, 2022

O dia em que conversei com João Gilberto Noll

Este artigo foi publicado originalmente na página nove do Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG) em 19 de fevereiro de 2022. O texto foi revisado pela Juliana Gandra. 

Casa da Cultura de Poços de Caldas (ou IMS, se quiserem), meados da primeira década deste século. O escritor gaúcho João Gilberto Noll veio fazer uma palestra. Nunca havia lido nada dele, conhecia-o apenas de ler a respeito nos cadernos culturais dos grandes jornais brasileiros. Sabia que ele era muito estimado pela crítica, foi vencedor várias vezes do prêmio Jabuti. Eu trabalhava numa rádio ridícula, com uma súcia inacreditável e chefes picaretas. Pensei comigo mesmo: pelo menos vou aproveitar o espaço para falar de algo bom e vou lá entrevistá-lo. Mesmo sem ganhar hora-extra e nem nada disso; eu sequer combinava nada com a chefia. Simplesmente fazia e foda-se. Depois eu matava um pouco de serviço para compensar. Na verdade, fiz isso várias vezes, em todas as ocasiões em que algum escritor descia do Olimpo das capitais e vinha visitar o equipamento cultural da provinciana Poços. A entrevista com Noll, no entanto, marcou-me mais do que outras nessas ocasiões. Ele era um erudito e um gentleman. Mencionei na entrevista que me lembrava muito fortemente de uma reportagem sobre ele n’O Globo, na qual era relatado que ele estava vivendo em completo desalento. Isso havia sido em 1991 ou 1992, eu era adolescente e essa imagem de um escritor brasileiro vivendo à beira da miséria e do ostracismo, mesmo que premiado, me foi muito reveladora e marcante. Noll me disse que também se lembrava vivamente da matéria, mas me disse isso havia sido muito tempo atrás e que sua situação melhorara. Dava para imaginar, ele parecia muito elegante no terno em que usava. Talvez não fosse um terno bem cortado, mas como não é um assunto do qual entendo e ele se portava de modo muito cavalheiresco e afável, a imagem que retive foi a de um homem elegante. Eu perdi a fita com essa entrevista; a rádio na qual trabalhava, como já disse, era (e é) uma porcaria, portanto resta apenas minha memória deste encontro e conversa. E o que mais me causou espécie foi a palestra dele. Eu não era o único que não o havia lido ali; a maioria também não. Talvez ninguém. Alguma escola levou muitos alunos adolescentes para assistirem à palestra. É óbvio que isso redundou num desastre. Noll falava com uma voz muito fina, impressionantemente aguda, muito mais do que quando ele conversou comigo. Talvez estivesse muito nervoso por falar em público, embora parecesse muito sereno ao gravar a entrevista. Ele abria a boca para dizer qualquer coisa e o público, desinteressado e naturalmente cruel, devido à faixa etária e ao espírito de manada, mal conseguia disfarçar os risinhos de mofa. Alguns deixavam escapar uma ou outra gargalhada mais alta. E Noll ali na mesa, sério, eventualmente lançava alguns olhares evidentemente preocupados para o público, mas seguia inabalável falando sobre literatura e seu trabalho. Ele faleceu em 2017 e, quando soube da notícia, lembrei-me imediatamente da sua recusa digna a servir de bufão para o deleite de quem o escarnecia.

Daniel Souza Luz é jornalista, escritor, revisor e professor


Capa da edição gringa do romance Harmada, de João Gilberto Noll. 


Monday, February 14, 2022

Luis Fernando Verissimo e os modismos literários

Este artigo foi publicado na página nove do Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG) em 12 de fevereiro de 2022. Não passou por revisão; se necessário, depois faço correções. 

Luis Fernando Verissimo é um dos mais populares escritores brasileiros. Isso pode ser inclusive medido pelas falsas citações que são atribuídas a ele na internet, embora isso tenha sido mais comum na época das correntes de e-mail, antes das redes sociais. Ainda que o leitor apaixonado pela literatura seja imune a modismos literários (ou talvez acredite ser), é bem óbvio há modinhas na área que atraem leitores eventuais. Autores entram e saem de voga. Ainda que eu entenda que a melhor produção de Verissimo seja agora, com ele já octogenário, pois suas crônicas no Estadão são impecáveis, parece-me bastante óbvio que ele não tem mais o alcance de antes e a atual geração Z, em geral, não o conhece. No começo do ano resolvi pegar seu famoso O Analista de Bagé na biblioteca da Caldense. Adoro o Verissimo, mas este livro envelheceu mal. Jamais gostei do Analista de Bagé e nem das HQs baseadas no personagem (agora não me lembro se eram feitas pelo Miguel Paiva ou pelo Edgar Vasques), mas relendo até gostei de uma ou outra história com ele. O problema é que tinha a imagem do Verissimo como um humorista refinado, mas parte das crônicas que não são baseadas no personagem-título têm o mesmo espírito das do Analista, ou seja, parecem esquetes, sei lá, dos Trapalhões: são sem graça quando observadas com o olhar de hoje e cheias da misoginia e outros preconceitos que eram naturalizados naquela época. Fosse hoje Verissimo um jovem escritor, como o foi nos anos 1970, quando escreveu parte dos textos compilados no livro, ele já estaria canceladíssimo. Justo ele, velho nome da esquerda que pôs muito a cara para bater no cenário político nacional. Se redescoberto pelas novas gerações Z e alpha, vai levar muita porrada, mesmo que póstumas. Levar ou não em consideração o contexto e o fato que humanos são falhos é algo muito subjetivo, mas é fato que sua popularidade derreteria imediatamente caso subitamente alcançasse outro auge novamente. O livro em si tem também ótimas crônicas, como eu esperava, e algumas levaram-me às gargalhadas, como a segunda parte da Histórias de Bichos (o segmento do papagaio filósofo). Também tem uma boa história que não é uma crônica humorística: Posto 5, que está mais para um conto bastante melancólico. É curioso demais notar as ondas de popularidade do autor: o livro é de 1982 e foi um enorme sucesso, com sucessivas reedições; peguei numa biblioteca e na ficha está marcado que ele foi emprestado com alguma frequência entre 2005 e 2008, época em que o Verissimo teve outro pico de popularidade e foi até capa da Veja. Depois há um hiato de 14 anos no qual ele ficou esquecido, até eu pegá-lo no começo de 2022. Carlos Heitor Cony dizia que o Verissimo (o filho, claro; o pai, Erico, jamais deixará de ser prestigiado por literatos) tenderia a ficar esquecido, a despeito das ondas de sucesso, pois se concentrava em crônicas que tendiam a ficar datadas. Em parte, talvez ele esteja certo, mas há várias aqui que também resistiram e provavelmente resistirão ao implacável teste dos tempos. Quem também estava parcialmente errado a respeito de Verissimo é... o próprio Verissimo. Recordo-me de uma entrevista em que disse que o humor dele provoca no máximo um sorrisinho, jamais as risadas como as proporcionadas por humoristas televisivos. Ledo engano; inúmeras são hilárias.

Daniel Souza Luz é jornalista, escritor, revisor e professor

O dia no qual peguei um autógrafo do Luis Fernando Verissimo. A foto foi gentilmente tirada pela Flávia Fonseca na Feira do Livro de Poços de Caldas, em 2009.


Monday, February 07, 2022

O Estranho no Corredor, de Chico Lopes (resenha)

Esta resenha foi publicada no Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG) em cinco de fevereiro de 2022. O texto não passou por revisão; se necessário, posteriormente faço correções.

Este romance curto – ou novela, dependendo do ponto de vista – de Chico Lopes foi lançado em 2011 e trouxe-lhe certa consagração no cenário da literatura brasileira ao conquistar o terceiro lugar como melhor romance no Prêmio Jabuti em 2012. O escritor, natural de Novo Horizonte, morava em Poços de Caldas quando o escreveu, mas à época da premiação mudou-se para Brotas. De volta a Poços há alguns anos, foi agraciado recentemente com inúmeros exemplares da primeira edição de O Estranho no Corredor pela Editora 34. Ele está aproveitando para divulgá-lo mais; sorteou dez exemplares no lançamento do meu segundo livro/plaquete Zênite, em dezembro de 2021, por exemplo. Quem é daqui e se interessa por literatura de alto nível deveria, no meu entender, aproveitar a oportunidade para contatar o autor pessoalmente e adquirir um exemplar por valor mais em conta, o que é importante nestes tempos bicudos, antes que se esgotem. E que se preparem para uma leitura desafiadora, que exige elaboração e introspecção. É um mergulho fundo na psique do protagonista, um jovem professor de inglês interiorano e literato que se muda para a capital. Sua cidadezinha é indicada apenas pela inicial (V.) e a metrópole também é indistinta. Ele sente-se inadequado em ambas; esperançoso de sair da cidade natal, onde é um órfão sufocado pela personalidade castradora da tia, e ver materializada suas veleidades literárias na cidade grande, ele toma consciência não só da sua insignificância, que até almeja, para não ser notado e ferido por olhares enviesados, como principalmente da sua pusilanimidade. Mal reage a isso e quando reage, reage mal. Pudera: é uma trama que destaca a masculinidade tóxica. A virilidade, o corpanzil e o tamanho do pênis daqueles que ele elege como rivais e que mal o notam são ressaltados com frequência ao longo da história. O protagonista sente-se tão emasculado, com exceção de uns poucos momentos de euforia no qual se esquece que é franzino, que não tem nem bem um nome: para o único amigo na capital, Russo, um vagabundo misógino de bar que conhece numa situação homoerótica que este trata como piada, ele é o Teacher; em V. ele é o Paiva para desqualificados ainda piores, sem a compaixão de Russo – isso o humilha ainda mais, pois é o sobrenome do pai alcóolatra e bufão que o estigmatiza. Neste episódio também fica patente algo que ao longo de todo o livro se pode intuir, tendo um personagem tão ensimesmado: ele também era vítima de bullying. Suas poucas relações, sejam sexuais, sejam de amizade, não permanecem – nem mesmo com Carla, a única com a qual o sexo não é repulsivo. Tudo é borrado e até mesmo o tempo em que a trama se passa é indistinto: pelas referências a academias com música alta, ao A-Ha e a cinemas fechados, bem como a falta de celulares e da internet, supõe-se que se passe entre o fim da década de 1980 e o começo dos anos 2000; no entanto, as citações constantes de estrelas da era de ouro de Hollywood, da orquestra de Billy Vaughan ou ao famoso “footing” de outrora remete aos anos 1950 e 1960. Não é à toa que o protagonista procura sua identidade e não e encontra. Não bastasse isso, é inexplicavelmente perseguido por um homem forte e fantasmagórico; é como se fosse sua sombra no conceito junguiano. Isso, sabiamente, fica em aberto para várias interpretações.

Daniel Souza Luz é jornalista, escritor, professor e revisor