Sunday, December 29, 2019

Ontem Foi Um Sonho

Neste ano publiquei meu primeiro livro, Ontem Foi Um Sonho. 
É uma distopia que se passa num futuro (relativamente) próximo.
É uma edição totalmente independente, em papel reciclado, inclusive capa e contracapa.
A ilustração da capa é da Juliana Melo e a revisão é de Renata Cristina Ling Chan.
Eu mesmo editei e criei uma editora independente para isso, Enigma Anônimo - uma homenagem aos nomes das gravadoras independentes do Joy Division, Enigma e Anonymous, ambas meio de mentirinha, assim como minha editora, mas com pretensões de ser sérias (assim como minha editora). Não pus em nenhuma plataforma, ao menos por enquanto. Pedidos podem ser feitos diretamente a mim nos meus perfis nas redes sociais ou no e-mail danielsouzaluz@gmail.com
Já aviso: é em formato de bolso e tem apenas 16 páginas. A ideia é ser o primeiro de uma série de pequeninos livros de bolso. O valor é R$ 10,00 - mais o frete.


Friday, December 13, 2019

Daniel da Luz, contador de histórias

Daniel da Luz foi um homem trabalhador, bom pai e alegre. Gostava de ajudar as pessoas, de rir, de contar histórias e piadas. Pediu para pôr como epígrafe no seu túmulo a inscrição “Aqui jaz o homem mais feliz do mundo”. Não chorem ao se lembrarem dele, mas sim sorriam e riam; se possível, caiam na gargalhada, ele preferiria assim. Mas lembrem-se dele, sempre.
Bem, até aqui está o que escrevi, com a ajuda da minha mãe, que me lembrou que ele gostava de ajudar os outros e para quem ele disse o que gostaria de constar no seu epitáfio, para constar no cartão de lembranças que será distribuído neste final de semana, na missa de sétimo dia do meu pai. Minha amiga Renata Chan revisou o texto para mim, assim como esta crônica, e disse-me que se lembrou d’Os Excêntricos Tenenbaums devido à frase a constar na epígrafe. Não assisti ao filme, mas meu papai me faz recordar outro: Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas, do Tim Burton, baseado num livro de Daniel Wallace, o qual ainda não li.
Meu pai gostava de contar história de pescador, mas nenhuma delas envolvia pesca. Como em Peixe Grande, também eu, filho mais velho, formei-me em jornalismo e não aturava as mentiras dele. O Daniel pai era um cara inteligente. Quando eu era criança, ele lia o Pasquim para nós, nos falava de política; sei quem é Adam Smith e Karl Marx, o que é capitalismo e comunismo, desde a mais tenra idade, horrorizem-se defensores de Escola Sem Partido (e não optei por nenhum deles, idiotas). Ainda estávamos na ditadura quando ele nos falava de Marighella e Lamarca, assuntos tabus na época. O livro do qual meu pai mais falava era História da Riqueza do Homem, de Leo Huberman, que era um historiador marxista; só descobri isso agora, para minha total surpresa, ao escrever estas memórias. Isso porque meu pai ainda nos falava muito dele quando entrou para o PMDB, no início dos anos noventa, e passou a ter uma postura cada vez mais pragmática, fazendo-me supor que Huberman era um autor de direita liberal, até pelo título do livro. Antes, papai era brizolista roxo, filiado ao PDT, e gostava de afirmar que era ex-comunista.
A questão é que meu pai contava tanta mentira cabeluda, muitas delas envolvendo conquistas amorosas, que caiu em descrédito comigo. Passei a ser completamente cético com relação às histórias de seu passado de esquerdista radical, por exemplo. Até que dois fatos me mostraram que, como em Peixe Grande, muitas vezes ele só dava umas exageradas na verdade. Ao voltar para Poços de Caldas em 2001, depois de formado, encontrei na casa do meu amigo Raphael Xavier um velho volume amarelado de Marx que meu pai havia emprestado para ele. Estava datado e assinado por ele: era de 1968, poucos meses antes do AI-5. Isso explica porque nunca tinha visto esse livro em casa; ele o manteve bem escondido.
Naquele ano ou no seguinte, morreu o ator Fernando Frizzo. Meu pai viu a notícia e disse-me que ficou triste com isso, que havia feito teatro e que simpatizava muito com ele. Ah, peraí, teatro? Não tem nada, mas nada a ver com ele. Desculpem-me, para mim, ser politicamente correto ou incorreto são duas bobagens, é maniqueísmo, então não vou edulcorar o passado, apesar de ser sim uma frase homofóbica: não me lembro agora exatamente do meu pai dizer “teatro é coisa de viado”, mas é a cara dele dizer isso, quem o conheceu sabe. Ninguém é santo e Daniel da Luz era um ser humano falho como qualquer outro, um homem de seu tempo, não estou escrevendo uma hagiografia.
Pois bem, e não é que meu pai fez teatro estudantil? Foi no fim dos anos sessenta (não no fim dos anos setenta, como saiu no obituário que escrevi para o Jornal da Cidade). Quem me contou foi Teresa Mesquita, educadora e prima do jornalista Luis Nassif. Um dia, nos idos de 2003, fui entrevistá-la, ela viu meu nome e me contou que faziam reuniões secretas, pois eram vistos como subversivos e viviam sob uma ditadura. E faziam peças de teatro, das quais meu pai participava. Fiquei de cara, então era tudo verdade – talvez aumentada de uma forma um tanto épica nas histórias que nos contava, mas era.
Há tantos causos dele que gostaria de retransmitir, mas o espaço reservado para este texto está acabando. Fica aqui meu favorito: diz meu pai que ele teve uma boate em Beagá e que um dia um sujeito estava lá aprontando uma confusão. Isso teria sido nos anos sessenta. Ao abordar o cara e pedir para que ele parasse a baixaria, ele teria dito “Eu sou Agnaldo Timóteo!” e meu pai teria respondido “E daí? Eu sou Daniel da Luz!”. Isso feito, saíram pela rua trocando tiros. É inverossímil, mas e se for real? Como dizia o cineasta John Ford: “Quando a lenda é mais interessante que a verdade, imprima-se a lenda”.

Daniel Souza Luz é escritor, jornalista e revisor


Este texto, híbrido de crônica e memórias, saiu no dia sete de dezembro de 2019 no Jornal da Cidade (Poços de Caldas/MG). Também foi publicada, de forma resumida, no jornal Mantiqueira, na mesma data. Eu mesmo fiz a edição para o Mantiqueira, por questão de espaço. Meu pai nasceu em Poço Fundo, MG, em primeiro de janeiro de 1941. Faleceu em Poços de Caldas em primeiro de dezembro de 2019, devido a complicações de saúde causadas por um câncer, com o qual batalhou por quatro anos e meio. 
Também escrevi o obituário do meu pai para o Jornal da Cidade, acho interessante disponibilizar aqui também uma pequena biografia mais formal. O texto foi copidescado pelo editor João Gabriel Pinheiro Chagas, adaptando-o para o estilo do jornal, e publicado em 03/12//2019, com o sobretítulo Memória Viva; aqui está o original:
Daniel da Luz nasceu em primeiro de janeiro de 1941, em Poço Fundo. Faleceu em primeiro de dezembro de 2019, no domingo, com 78 anos e onze meses. Formou-se em Contabilidade, Administração e Direito. Era conhecido pelo escritório de Contabilidade com seu nome e também exerceu a advocacia. Foi membro dos diretórios do MDB, PDT e PMDB, tendo-se candidatado a vereador em 1992. Também teve cargos em vários conselhos e entidades, como a Caldense e a ACIA. Foi professor de Contabilidade do Colégio Pio XII nos anos oitenta e noventa. Também fez parte de grupos de teatro estudantil no fim dos anos sessenta, de oposição à ditadura militar. Torcia para a Beija-Flor, Vasco e era conhecido também como contador de causos. Deixa três filhos: Daniel Souza Luz, Eurico José de Souza Luz e Fernanda Souza Luz.


Meu pai, Daniel da Luz, nos idos de 2007/2008. Salvo engano, tirei esta foto pela primeira vez em que usei uma máquina digital que não era de disquete.