Tuesday, August 14, 2007

Judas, Caim e Abel

Um dia, percebeu que um plano simples bastava: não precisava brigar para ser o macho alfa ou se contentar em ser subalterno. Fez concurso para oficial de justiça sem contar para ninguém e ficou contente por ter conseguido uma colocação ruim. Justamente por isso, devia ser chamado para trabalhar em uma cidade distante, em alguma comarca para onde ninguém queria ir. Teve sangue frio, agüentou as provocações dos irmãos e dos pais sem anunciar para ninguém que havia garantido uma vaga e esperou o momento de ser chamado enquanto trabalhava no supermercado, em meio à remarcação de mercadorias vencidas, clamores para que fosse menos lerdo e clientes mal-educados. Chamado ao fórum, confirmou seu interesse na vaga e quietamente embalou seus poucos pertences, sacou dinheiro da poupança para passar o primeiro mês e esperou a noite da véspera chegar para comunicar a mudança a todos. Antes, ao fim da tarde, seus pais notaram que seus livros, apostilas, roupas e carrinhos de brinquedo tinham sumido. Quando chegou, foi chamado de mal-agradecido e teve sua mala jogada no regato ao lado. Sorte que foi amparada pelo bambuzal. Ambos, mala e mala, foram diretamente para rodoviária. Anos depois, em meio a muita falação antes de fazer uma citação, viu a foto de seus irmãos no jornal em cima do balcão da lanchonete. O mais velho matou o caçula em meio a uma discussão sobre quem deveria administrar o negócio. Um templo evangélico funciona no prédio onde ficava o supermercado. Poucos na vizinhança ainda se lembram do estabelecimento e daquela família ao passar com pressa pelas mulheres do bairro que fica do outro lado do córrego, com suas grandes saias e proles.