Thursday, January 26, 2017

Talking Heads, uma crônica imersiva.

Uma das lembranças mais antigas e marcantes que tenho é de quando a TV Tupi saiu do ar. Foi tão estranho... Há pouco tempo me dei conta de que foi a primeira morte que testemunhei. Pesquisando depois, já adulto, vi que isso foi em meados de 1980. Eu tinha cinco anos. Um dia liguei a televisão e o canal havia desaparecido – época da ditadura, agora isso me parece sinistro. Houve um aviso no dia anterior, tenho uma vaga lembrança; não sei se isso é uma memória falsa que criei. Há outro fato estranho: li que a Tupi tinha novelas. Não me lembro bem disso. Lembro que a Globo tinha e que odiei o fato dela ser a única outra estação de televisão que pegava bem, porque à noite gostava de ver faroestes e desenhos. Parece que me lembro do Chaparral na Tupi, mas talvez tenha sido apenas na Record, nos anos oitenta. Lembro de ver Bonanza também. Não me lembro das tramas, mas me recordo de algo muito melhor.
Há até fotos datadas de 1979. Eu andava com chapéu de cowboy e armas de brinquedo quando era criancinha. Meu irmão também. Na verdade tenho lembranças até mais antigas, de quando tinha uns quatro anos, de gostar de filme e seriados de faroeste. E tinha um hábito mais solitário, não brincava só com meu irmão de mocinho e bandido. Eu gostava de participar dos faroestes. Fazia assim: postava-me ao lado da TV. Prestava atenção ao que os personagens diziam e participava dos diálogos. Como tinha muito plano americano, agia como se estivessem falando comigo também. Se alguém dizia “A emboscada será no desfiladeiro” eu tentava responder com algo que fizesse sentido, como “Isso mesmo amigo, vamos pelo outro caminho!”. Como ficava feliz quando o diálogo calhava com o que eu dizia! Muitas vezes dava certo. Só havia um senão: geralmente os personagens para os lados dos quais me bandeava morriam ou se ferravam. Então começava tudo de novo, no meio do filme ou episódio, como se nada houvesse acontecido. Fazer o quê? Mas eu estava sempre presente na trama. Acho que fui um pioneiro da realidade virtual, isso sim foi imersão.

Monday, January 16, 2017

Television, uma crônica de uma infância cheia de fascínio.

A televisão me deixou muito inteligente, inteligente demais. Acordava cedinho no sábado só para ver desenho animado. Antes das oito da manhã ainda dava tempo de assistir Urso do Cabelo Duro e Bionicão. Tenho vagas recordações, mesmo agora já adulto, pois até isso foi há mais de vinte anos, mas agora me parece irônico que o primeiro desenho retrate um bando de hippies safos travestidos de ursos e o segundo um cão policial – acho que era, já nem lembro tão bem. Como nunca havia pensado nisso? Às vezes rolavam uns crossovers nos desenhos; poderiam ter posto o Bionicão para reprimir a turma dos ursos para dar a real para as crianças.
O que era legal demais desses desenhos é que eles eram psicodélicos. Os Incríveis era infinitamente mais legal do que a banda de mesmo nome. Banana Split devia ter ácido nos ingredientes. Jackson Five era tão legal quanto a banda. A Corrida Espacial fazia discotecas parecerem good trips; apesar de já ser da era disco, o psicodelismo era muito mais mesmerizante. Dias de aventura.  Não esqueço de jeito nenhum das pouquíssimas vezes em que passou o desenho do Recruta Zero, que era um dos meus gibis favoritos. E de que tinha que explicar que Danger Mouse era infinitamente mais legal do que Super Mouse. Aprendi a ler graças a meu pai, que lia quadrinhos para mim e meu irmão; por isso antes mesmo de entrar na escola queria saber como terminavam outras histórias que meu pai não tinha tempo de ler. Saquei os rudimentos sozinho. Quando lia os créditos nos desenhos animados, mesmo sem saber inglês, notei que havia quem escrevia aquelas histórias. Como desejar ter um emprego normal então?

Wednesday, January 11, 2017

Love and Rockets, crônica sobre um sonho com livros fascinantes.

Adoro sonhos detalhistas. Estava fazendo um TCC sobre sebos em São Paulo e no sonho hospedei-me no apartamento do meu amigo Cleiton Corrêa, que na vida real mora em Poços de Caldas. Tinha que achar um numa tal de rua Gurgel. Olhei num mapa na web e achei quatro ruas com esse nome; fui na que era mais perto. Desci por uma escada – que não existe na realidade – ao lado do metrô Vila Madalena e lá estava o sebo. Ao achar os donos do lugar, uma loira de meia-idade e um rapaz de óculos e cabelo meio beatle, marquei uma entrevista para fazer em outra ocasião. Disseram-me para eu ficar à vontade.
Comecei a olhar os livros e em meio a best-sellers desinteressantes achei vários volumes de “Locas – Poemas,” com poesias de Jaime Hernandez e desenhos de seu irmão Gilbert. Custava 25 mangos e o que peguei em mãos estava ainda dentro do plástico, que estava empoeirado. Dei uma olhada nos outros exemplares e eram uns poucos desenhos e muitas poesias. Pensei “como não estou enxergando direito mesmo, é melhor do que ler os quadrinhos no momento”. Aliás antes qualquer obra original dos criadores do Love and Rockets, que citava o Black Flag nas HQs, do a banda que copiou o nome, da qual gosto, mas é meio decepcionante, ainda mais que é o Bauhaus inteirinho, com exceção do Peter Murphy. Enfim, voltando ao sonho, pedi para reservarem que logo depois já pegaria com eles no balcão, como usualmente faço. Continuei fuçando e achei um livro de bolso do Phillip K. Dick; era uma edição original em inglês de um conto inédito chamado The Lake’s Placid Face e custava meros sete reais. Espero que algum dia esse livro dos irmãos Hernandez chegue a ser feito. E talvez o K. Dick tenha imaginado esse conto, não tenha tido tempo de escrevê-lo e me deu um toque em uma brecha no continuum espaço-tempo.
A banda nunca será tão legal quanto a HQ, mas eu gosto.

Monday, January 02, 2017

Black Flag, crônica sobre um sonho.

Amo Black Flag, é uma das minhas bandas favoritas. Não sei se gostaria de ver um dos shows da volta, não deve se equivaler à energia da época original deles, quando foram pioneiros do punk hardcore, e nem do Flag, banda montada por ex-integrantes tretados com o guitarrista Greg Ginn, fundador, o único membro remanescente da formação original e a única pessoa presente em todas as inúmeras míticas formações do Black Flag. Hoje sonhei que fui a um show deles. Sequer vi o show no sonho, mas o que vi deve ser melhor do vê-los de verdade – e consta que o Flag é ótimo ao vivo. De certa forma, vi o Flag no sonho, curiosamente com o único ex-Black Flag que já vi de verdade, o Dez Cadena, numa apresentação horrível do “Misfits”. Show que foi um dos mais divertidos aos quais já fui: justamente porque não havia nada a ser visto, poguei o tempo todo, junto com vários amigos das antigas que estiveram em inúmeros rolês de punk rock comigo. Usei aspas porque nem era o Misfits de verdade, que para mim acabou em 1983; a volta deles sempre foi ridícula. Enfim, vou é contar como foi o sonho com o Black Flag.
Cheguei de mochila ao local da apresentação; era uma casa noturna fechada, com palco até que baixo, na altura do peito. Colei no palco do lado direito, mas atrás de dois moleques. Um segurança os abordou e perguntou por que eles estavam usando uniformes dos correios. Eles responderam que estavam matando serviço para poder ver o show. O segurança retorquiu que eles nem poderiam estar ali, mas que faria vista grossa, desde que eles fossem ao banheiro trocar de camisa. Aproveitei para colar de fato no palco e a banda entrou sem o Greg Ginn para fazer a passagem de som. Era o Dez Cadena na segunda guitarra, a Kira Roessler no baixo e um baterista que não identifiquei. A guitarra transparente do Greg Ginn ficou em cima de um amplificador. De repente entra o Keith Morris no palco e começa a cantar Revenge. Ou seja, uma formação do Black Flag que nunca existiu, com músicos que jamais tocaram juntos, pois são de épocas diferentes. Como aconteceu comigo na vida real, no show do Agent Orange, quando vi a passagem de som, formou-se uma roda de pogo atrás de nós, mas preferi ficar grudado ao palco. A passagem de som foi só com Revenge e o público dispersou-se. Fui ao banheiro, depois tomei uma sopa no bar (não me perguntem o porquê) e voltei preocupado em perder o lugar. Colei no outro lado do palco, onde ainda havia espaço, e fiquei conversando com duas meninas. Dava para ver o setlist ao lado do baixo da Kira. Falei que ia pedir para ela me dar o papel autografado, nisto a Kira, que estava com cabelo grande e pintado de loiro, passou e nos cumprimentou. Vimos que os panos se abriram e lá no fundo ela se encontrou com os outros músicos. Não sei se o Greg Ginn estava junto, pois as meninas do lado falaram-me que estavam enxergando-os borrados. Quando me esforcei para ver quem estava nos bastidores, minha vista começou a ficar muito embaçada. Acordei, acabou.