Sunday, July 26, 2015

Section 25

As janelas todas abertas. Ao menos a brisa nos confortava de quando em quando. Nos estertores do século passado, essa frase era literal.
Passou Here We Go na MTV.
- Olha que legal! Você conhece?
- Nossa, você não conhece? Shelter tocava no rádio o tempo todo. Eu nem notei que não fazia mais sucesso.
- Você já é velho.
Aos 25 anos. Here we go again.
Liguei o ventilador. Mesmo assim, suávamos. À noite. A inspiração que bastava. Tiramos as roupas. O tecido do sofá era incômodo, grudava na pele. 
O chão da cozinha ficou empapado de suor.

Sunday, July 19, 2015

Dream Syndicate

O jornal é de ontem, mas o texto não é mais o mesmo. Havia sido alterado. Como? Não havia jeito, é papel, não há como aparecer um “atualizado às 18:48”, por exemplo. No entanto, o acróstico desabonador não consta mais na matéria.
É que as letras na verdade são pessoas. Elas haviam sido substituídas por jornalistas mais novos, contratados como PJs, pois todos os sindicalizados foram mandados embora. Entretanto, os jornalistas demitidos entram no texto, diante dos meus olhos, e empurram para fora seus substitutos. Não obstante, o acróstico ainda está falho. Resta uma letra trocada. Eu a localizo. É uma menininha de vestido verde, não um adulto.
Rumo ao encontro dela, dentro da página. Ao contrário dos jornalistas mais novos, que saíram de seus postos, ela permanece no lugar. O início do parágrafo é um pequeno morro; ao me aproximar, noto que ela é translúcida. Fantasma. Entro dentro dela. Uma voz doce ecoa na minha mente:

- Foi você que me possuiu. Você é o fantasma.

Sunday, July 12, 2015

Public Image Limited

Distraído. Parado no semáforo, conversando sobre política. 
Um garoto, mais um, mas parecido demais com os demais: de barbicha, roupas que aludem ao circo, muito jovem, malvisto na família (provavelmente). Fazendo malabarismo com bolinhas.
Notei-o porque errou: uma bolinha escapou e foi parar embaixo do carro ao lado. Sorri - na verdade, ri. Ele foi safo o suficiente para levar na esportiva: não se deixou abater, pegou uma das bolas que restaram, vermelha, e a pôs em frente ao nariz, emulando um palhaço que não meteria medo nem na mais traumatizada criança que teme essa figura.
Procurei desesperadamente por umas moedas, mas, como não estava prestando atenção antes, não as encontrei. Quando ele se aproximou, entreguei uma bala. A desculpa que dei é que ela poderia lhe dar energia.
O semáforo, que não estava para brincadeiras, deixou de ser vermelho.

Sunday, July 05, 2015

Sex Pistol

Acordei exausto. 
Logo cedo havia pegado estrada. Ao chegar no sítio, perguntei o que estava acontecendo. Ela disse que o problema era o que não havia acontecido. Nos beijamos. 
De volta à estrada, fui para a cidadezinha. Encontrei a noiva d'antanho lá. Não resisti e perguntei na lata:
- É verdade que você e seu marido têm relacionamento aberto?
- Sim, mas para você eu sou casada.
 Nunca tomei um toco tão forte. Fui pra casa. Então a mocinha que a abandonou lá estava, esperando-me dormindo na cama, como usualmente fazia quando eu chegava de São Paulo no sábado à noite. Beijou-me sonolenta, como fazia naquela época. Deitei-me abraçando-a. Ela ainda virou-se para mim e disse uma única frase antes de cerrar os olhos.
- Seu pau se encaixa direitinho no vão da minha bunda. 
Dormimos abraçados uma última vez por um milissegundo. 
Além de exausto, acordei sozinho.