Monday, October 31, 2016

The Fall, uma croniqueta.

Salvo engano, só comecei a andar de skate em 1988. Com certeza foi, porque me lembro de que aprendi quando tinha 13 anos, completados no fim de 1987. Meu irmão Eurico começou a andar antes, provavelmente naquele 1987, quando um amigo chamado Ronan levou o skate dele na rua, um péssimo Pro Life, mas que serviu para nossas primeiras tentativas.
Não tenho muita certeza, mas acho que não andava ainda quando testemunhei um tombo do meu irmão que me assustou muito e por causa disso só deixei de ser cabação no sk8 em 1988. E eu era bem cabaço mesmo. Ele foi pular uma rampinha improvisada na rua do predinho onde morávamos, bateu a cabeça no chão e eu ouvi o barulho da batida apesar de estar ouvindo música alta no toca-fitas do carro do meu pai, que era o único aparelho de som que tínhamos. Detalhe: bem na hora em que ele caiu, eu ouvia Bark at the Moon, do Ozzy Osbourne. Pensamento mágico de criança, influenciado por discursos sensacionalistas na mídia: eu entrei em casa lamentando o que aconteceu com meu irmão, devido a uma suposta influência malévola da música. Felizmente ficou tudo bem: ele logo se recuperou da pancada e dois anos depois já estávamos até ouvindo Slayer juntos.

Monday, October 24, 2016

The Clash, uma crônica dedicada com muito amor para a Renata Rodrigues e o Maurício Rodrigues.

A primeira vez que ouvi The Clash foi num vídeo de skate. Era um programa da TV Manchete levado ao ar entre meados e fim dos anos oitenta. Chamava-se Vibração e foi gravado numa fita de videocassete por um amigo, já falecido, Maurício Rodrigues. O programa mostrava a visita de John Gibson, um skatista texano, ao Brasil. Depois da entrevista, ele andava enquanto rolava algumas músicas no BG; não me recordo de todas, mas creio que era Janie Jones, White Riot, I Fought the Law e, por fim, Guns of Brixton. Eu e meu irmão, respectivamente com 13 e 12 anos, ao ouvir, ficamos empolgadíssimos. Um de nós, acho que eu, disse “Ramones é demais!”, e o outro concordou. Só um tempo depois, ao ouvir fitinhas do Clash, que descobri que aquelas músicas não eram do Ramones. Quase sempre rio ao me lembrar dessa ingenuidade e por um bom tempo isso fez com que eu não gostasse muito de Clash. Lembro até de ter lido uns dois anos depois, já em 1990 ou talvez em 1991, a biografia de Sid Vicious escrita por Hugo Santos e publicada pela editora Brasiliense. O livro destacava que Vicious achava o Clash uma cópia do Ramones. Concordei com isso por muitos anos, mas hoje, ao ouvir novamente as músicas, não acho tão parecido. O Rancid é que se parece com o Clash, isso sim. Outro ponto engraçado dessa primeira experiência ao ouvir The Clash é que na minha ingenuidade pueril achei que Guns of Brixton fosse do Bob Marley e, por causa disso, demorou muito para eu gostar de qualquer outro som dele também, pois não achava nenhum reggae tão legal quanto aquele.
Tenho muitas saudades do Maurício e da irmã dele, que também morreu muito precocemente, a Renata. De andar de skate com ele, meu irmão e o pessoal do bairro; de ir às festinhas com eles, ela e as meninas da rua; de ler Mad e Chiclete com Banana e jogar Atari. É do que muitas vezes me lembro ao ouvir o The Clash e mais do que nostalgia, as músicas evocam-me um sentimento bom, de ainda ter alguma esperança no futuro. O que é sincrônico: consta que o Joe Strummer não gostava muito do mote No Future do Sex Pistols.

Monday, October 17, 2016

Legião Urbana XXX anos, crônica do show

Fui com o pé atrás. Mas num sábado à noite, em Poços de Caldas (a cidade epítome de Tédio com um T bem grande para você), fazer mais o quê? Comprei o ingresso de última hora, desgostoso de estar escrito Legião Urbana e não “Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá tocam Legião Urbana XXX anos”. Não consigo engolir que se chame Legião após a morte do Renato Russo. Mas bora lá, meu amigo Juliano Zappia também quis ir em cima da hora e comprou o ingresso lá mesmo no ginásio poliesportivo, habitual palco de shows na cidade, nos quais nunca fui, porque sempre ouvi falar da acústica horrível. De qualquer forma geralmente eram bandas pop que não interessavam e quando era algo bom eu já tinha visto em outras cidades. Ficamos na arquibancada e, apesar de certa distância, fiquei surpreso: não só o som estava razoável como a abertura, com Será, a primeira música do lado A do primeiro vinil, foi boa, com ela sendo bem executada. Conforme anunciado, as músicas vieram na sequência: A Dança ficou horrível sem o arranjo funky feito por Renato Rocha; Petróleo do Futuro foi fiel; em Ainda é Cedo faltou o baixo pós punk destacado do original (Renato Rocha é um cara subestimado, mas ao menos foi citado posteriormente por André Frateschi, vocalista que fez as vezes de Renato Russo), o andamento acelerou no refrão e um solo “rock é rock mesmo” do segundo guitarrista no fim cobriu a sutileza da guitarra de Dado; Perdidos no Espaço ficou muito boa, com 'efeitos espaciais” no vocal; Geração Coca-Coça para mim é ponto fraco do disco, mas mandaram bem ao vivo; O Reggae foi excelente, com efeitos lembrando dub e Dado cantando um trecho de Guns of Brixton, do The Clash, uma grande sacada; Baader-Meinhof Blues foi emocionante, fizeram uma versão pancadaria que a princípio ficou quase irreconhecível, mas manteve o espírito original; Soldados começou bem, apesar de terem atravessado após o segundo refrão ainda teve punch (nesse ponto a péssima acústica foi se impondo, o timbre do teclado ficou agudo demais); Teorema foi enérgica e correta; por fim, Por Enquanto fechou muito bem como também fecha melancolicamente bem o disco, ao vivo Bonfá foi maquinal como uma bateria eletrônica e fizeram um arranjo com certo peso, mas concentrado na eletrônica, lembrando o New Order, tal como a original.
Por mim o show podia até ter acabado ali, mas teve mais para a alegria do público, que me surpreendeu negativamente: achei a maior parte bem poser, só sabiam cantar junto os sucessos e, claro, Por Enquanto, tornada famosa por Cássia Eller numa versão, sinto muito, chinfrim. Sei que ela era legal, mas não engulo aquilo. A música seguinte às do primeiro disco foi Tempo Perdido, e aí paguei a língua: ainda bem que o show se estendeu, porque para mim o disco perfeito do Legião é o primeiro acrescido dessa belíssima música do Dois, outro discaço. A banda ainda tocou músicas menos óbvias do Dois; Daniel na Cova dos Leões e, numa boa jogada, Fábrica com outro vocalista, bem andrógino. Dezesseis também foi cantada por uma vocalista, numa outra tentativa de fugir ao lugar comum, mas achei algo meio jovem guarda o vocal dela, ou, melhor ainda, parecia a Rita Lee dando gritinho nos Mutantes. Dado e Bonfá também se revezavam no vocal, num esquema meio The Great Rock n’Roll Swindle. Foi uma sequência de hits, fora essas três, que poucas bandas podem se orgulhar de ter: Índios, Angra dos Reis, Pais e Filhos, Meninos e Meninas, Há Tempos e por aí vai. Quando saíram do palco, eu e Juliano adivinhamos o bis, pois faltaram justamente três grandes sucessos, e eles vieram conforme imaginamos corretamente (se bem que agora estou lembrando que não tocaram Eduardo e Mônica), pois não ficamos olhando o playlist da banda em outras cidades: Faroeste Caboclo, Perfeição e Que País é Esse?. Neste bis, embora Frateschi tenha falado que 2016 tem sido um ano terrível, senti uma certa dubiedade: se ele mandasse um “Fora Temer!” na lata, poderia tomar uma vaia, pois boa parte do público de meia idade provavelmente votou no futuro prefeito de Poços de Caldas. Prudentemente, deixou no ar o que queria dizer, pois a postura poderia produzir reações parecidas com as que o Pearl Jam enfrentou na década passada, ao se deparar com um público que não tinha a vibe da banda. Quando essa parte do público cantava junto Que País é Esse?, ainda mais com aquela resposta “é a porra do Brasil”, eu inevitavelmente não conseguia dissociar: parece energia, mas é só distorção.
Palco logo antes da entrada da banda. Tirei a foto com celular, 15/10/2016.

Monday, October 10, 2016

Agnostic Front, crônica sobre o show.

Não estou enxergando muito bem, devido a um problema de saúde, mas a convite do meu amigo Tatá (Otávio Mazza), topei ir a um show do Agnostic Front em São Paulo, já que vacilei demais ao longo de anos e perdi várias apresentações deles. Sempre gostei, mas sabia da postura de direita do hardcore de Nova Iorque que atraia fãs skinheads de extrema-direita. Vá lá, o clássico deles Fascist Attitudes, uma música da qual gosto muito, critica os nazis e as letras recentes são muito boas, antibélicas e pró-direitos humanos. Mesmo assim, temia que fosse algo meio zoado e violento num momento ruim para mim, mas que nada. Só me fez bem e o público estava na vibe certa do show, da tão propalada união e “família hardcore” que o Agnostic prega.
Chegamos cedo e vimos os dois shows de abertura, do Last Warning (cujo nome já deixa patente a admiração pela banda nova-iorquina) e do One True Reason. Estava muito vazio e deve ser foda para bandas que tocam hardcore apresentarem-se para um público estático (já que show com pouco público para uma banda de punk/hardcore não é demérito, mas geralmente são agitados), no entanto foram aplaudidos polidamente e fizeram seu papel com energia. Estava tão vazio que ficamos na frente do palco com facilidade quando começou o Agnostic Front, mas repentinamente brotou gente de tudo que é lugar. Não estava lotado, só que a galera colou em frente ao palco e assim que começou o show, com Eliminator (do disco Cause For Alarm, um disco de crossover bem próximo ao thrash metal) começaram os stage dives e fiquei por lá somente umas duas ou três músicas, pois desta vez, ao contrário de quando vi o Napalm Death no mesmo Clash Club, eu estava de óculos. Fomos para trás e quando o Tatá foi comprar cerveja tocaram Police Violence, uma das melhores músicas do disco mais recente deles, The American Dream Died, que tem a mesma pegada de hardcore à velocidade da luz que eles tinham no começo dos anos oitenta. Fiquei esperando, devolvi a garrafa d´água dele e não resisti quando começou o clássico Victim in Pain, música que para mim descreve minha vida no momento: fui pro circle pit sozinho para pogar e cantar junto o refrão com o público. Sobrevivi à roda de pogo sozinho e quando voltei para trás não achei mais o Tatá. Fui para um canto na frente, fiquei prensado e não consegui subir no palco quando muita, mas muita gente mesmo, subiu para cantar junto Crucified, do Iron Cross. Era aquela cena clássica, nem dava para ver a banda. Fui para o outro canto e consegui subir em outra música, não me lembro agora qual, acho que era For My Family, mas logo desci para evitar ser empurrado pelos seguranças. O show ia mesclando clássicos da adrenalina como Your Mistake, Friend or Foe, United Blood e Blind Justice com músicas mais recentes que são arrastadas; destas, ao menos A Mi Manera, em espanhol, para mim foi legal. Quando outra música recente que é uma pancadaria, I Can’t Relate, também foi executada até entrei na roda de novo. No fim eles inacreditavelmente (pois eu não conhecia a versão) tocaram Blitzkrieg Bop, do Ramones. Vou contar isso para meus netinhos, se os tiver, e para todo mundo para o resto da vida: subi no palco de um show do Agnostic Front, abracei o Roger Miret, e cantei Ramones junto com dezenas de pessoas. A adolescência nunca acaba, nem se você estiver velho e doente, pois vale o que diz a música do Seven Seconds tocada pelo DJ que mandava os sons entre as apresentações: Young Till I Die.
Foto que tirei (com celular) de Craig Silverman e Vinnie Stigma no início do show. Agnostic Front, São Paulo, 08/10/2016.

Monday, October 03, 2016

Siouxie and the Banshees, uma crônica

Sons soturnos para dias alegres. Acho que a primeira vez que ouvi Siouxie and the Banshees foi quando vi o clipe de Peek-a-Boo no Som Pop, apresentado pelo Kid Vinil na TV Cultura. Não gostei muito, até hoje não sou grande fã da música. Lembro bem da figura marcante da Siouxie no clipe, mas um dia o som realmente me encantou. No mesmo programa foi exibido o clipe de Hong Kong Garden. Aí sim. A guitarra aguda, com tons orientais, o baixo destacado, a batida final num gongo, o vídeo feito com cores em tons negativos, tudo aspirava a um mistério inalcançável para mim, enquanto que a energia era um convite a me perder num abismo etéreo. Não dá para descrever, essa descrição não basta.
Cacei os vinis o máximo que pude. O que eu podia encontrar, no fim dos anos oitenta, no interior de Minas Gerais, era nada. Achei uma coletânea chamada New Wave Times em um sebo somente em 1991. Era fascinante, uma paródia do New York Times, feita no Brasil no fim dos anos setenta pelo... Kid Vinil! Tinha muitas bandas chatas e outras absurdas de legais, como o The Jam, o Sham 69 e a Siouxie and the Banshees fazendo uma versão de Helter Skelter. Li nos créditos que a música era dos Beatles, pois não conhecia, mas até hoje minha versão favorita é a da Siouxie. Começa devagar, baixo de uma nota só secundado por um guincho de guitarra que vai sendo acelerado pela bateria, soando como um trem ganhando velocidade aos poucos até descarrilar violentamente, no final abrupto. Apesar de nessa época já ter escutado também Cities in Dust no rádio e ter achado a melodia fascinante, qual não foi a minha decepção ao finalmente achar um disco da Siouxie num sebo, já em 1992. Era o Hyaena, com uma sonoridade bem mais sutil. Não bastasse isso, tinha um colante da Fluminense FM na capa e uma amiga, a Ana Karla, quando viu, achou curioso e tirou um sarro, aumentando o meu desgosto. Tinha um colante também destacando outra cover dos Beatles, Dear Prudence, que não me desceu a princípio. Demorou mais de ano para eu realmente gostar do disco, mas felizmente não desisti dele. Aos poucos as músicas foram ganhando minha afeição e por muito tempo foi o único disco dela que conheci.