Monday, October 17, 2016

Legião Urbana XXX anos, crônica do show

Fui com o pé atrás. Mas num sábado à noite, em Poços de Caldas (a cidade epítome de Tédio com um T bem grande para você), fazer mais o quê? Comprei o ingresso de última hora, desgostoso de estar escrito Legião Urbana e não “Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá tocam Legião Urbana XXX anos”. Não consigo engolir que se chame Legião após a morte do Renato Russo. Mas bora lá, meu amigo Juliano Zappia também quis ir em cima da hora e comprou o ingresso lá mesmo no ginásio poliesportivo, habitual palco de shows na cidade, nos quais nunca fui, porque sempre ouvi falar da acústica horrível. De qualquer forma geralmente eram bandas pop que não interessavam e quando era algo bom eu já tinha visto em outras cidades. Ficamos na arquibancada e, apesar de certa distância, fiquei surpreso: não só o som estava razoável como a abertura, com Será, a primeira música do lado A do primeiro vinil, foi boa, com ela sendo bem executada. Conforme anunciado, as músicas vieram na sequência: A Dança ficou horrível sem o arranjo funky feito por Renato Rocha; Petróleo do Futuro foi fiel; em Ainda é Cedo faltou o baixo pós punk destacado do original (Renato Rocha é um cara subestimado, mas ao menos foi citado posteriormente por André Frateschi, vocalista que fez as vezes de Renato Russo), o andamento acelerou no refrão e um solo “rock é rock mesmo” do segundo guitarrista no fim cobriu a sutileza da guitarra de Dado; Perdidos no Espaço ficou muito boa, com 'efeitos espaciais” no vocal; Geração Coca-Coça para mim é ponto fraco do disco, mas mandaram bem ao vivo; O Reggae foi excelente, com efeitos lembrando dub e Dado cantando um trecho de Guns of Brixton, do The Clash, uma grande sacada; Baader-Meinhof Blues foi emocionante, fizeram uma versão pancadaria que a princípio ficou quase irreconhecível, mas manteve o espírito original; Soldados começou bem, apesar de terem atravessado após o segundo refrão ainda teve punch (nesse ponto a péssima acústica foi se impondo, o timbre do teclado ficou agudo demais); Teorema foi enérgica e correta; por fim, Por Enquanto fechou muito bem como também fecha melancolicamente bem o disco, ao vivo Bonfá foi maquinal como uma bateria eletrônica e fizeram um arranjo com certo peso, mas concentrado na eletrônica, lembrando o New Order, tal como a original.
Por mim o show podia até ter acabado ali, mas teve mais para a alegria do público, que me surpreendeu negativamente: achei a maior parte bem poser, só sabiam cantar junto os sucessos e, claro, Por Enquanto, tornada famosa por Cássia Eller numa versão, sinto muito, chinfrim. Sei que ela era legal, mas não engulo aquilo. A música seguinte às do primeiro disco foi Tempo Perdido, e aí paguei a língua: ainda bem que o show se estendeu, porque para mim o disco perfeito do Legião é o primeiro acrescido dessa belíssima música do Dois, outro discaço. A banda ainda tocou músicas menos óbvias do Dois; Daniel na Cova dos Leões e, numa boa jogada, Fábrica com outro vocalista, bem andrógino. Dezesseis também foi cantada por uma vocalista, numa outra tentativa de fugir ao lugar comum, mas achei algo meio jovem guarda o vocal dela, ou, melhor ainda, parecia a Rita Lee dando gritinho nos Mutantes. Dado e Bonfá também se revezavam no vocal, num esquema meio The Great Rock n’Roll Swindle. Foi uma sequência de hits, fora essas três, que poucas bandas podem se orgulhar de ter: Índios, Angra dos Reis, Pais e Filhos, Meninos e Meninas, Há Tempos e por aí vai. Quando saíram do palco, eu e Juliano adivinhamos o bis, pois faltaram justamente três grandes sucessos, e eles vieram conforme imaginamos corretamente (se bem que agora estou lembrando que não tocaram Eduardo e Mônica), pois não ficamos olhando o playlist da banda em outras cidades: Faroeste Caboclo, Perfeição e Que País é Esse?. Neste bis, embora Frateschi tenha falado que 2016 tem sido um ano terrível, senti uma certa dubiedade: se ele mandasse um “Fora Temer!” na lata, poderia tomar uma vaia, pois boa parte do público de meia idade provavelmente votou no futuro prefeito de Poços de Caldas. Prudentemente, deixou no ar o que queria dizer, pois a postura poderia produzir reações parecidas com as que o Pearl Jam enfrentou na década passada, ao se deparar com um público que não tinha a vibe da banda. Quando essa parte do público cantava junto Que País é Esse?, ainda mais com aquela resposta “é a porra do Brasil”, eu inevitavelmente não conseguia dissociar: parece energia, mas é só distorção.
Palco logo antes da entrada da banda. Tirei a foto com celular, 15/10/2016.

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