Friday, December 29, 2017

Prazeres Desconhecidos

Foi num vídeo do Grito da Rua. Era um programa sobre skate, dos anos oitenta. Às vezes amigos iam para São Paulo e o gravavam da TV Gazeta. Mas também havia um home vídeo nas locadoras. Fiquei tão fascinado com as reportagens e trilha sonora que o loquei novamente e com um gravador registrei uma fitinha com o som ambiente vindo da caixa da TV. Isso foi em 1988 ou mais provavelmente em 1989 - muito mais provavelmente em 1989. Foi meu primeiro contato com Pixies, Sex Pistols, Meteors, T.S.O.L. e com o rap nacional, pois também havia MC Jack e Código 13. 
O Sex Pistols já era uma das minhas bandas favoritas, mas só conhecia de ler a respeito, não de ouvir. O legal é que a música deles, que servia de trilha para uma reportagem sobre skate numa piscina de uma casa abandonada - mas sem as paredes curvas das piscinas gringas -, era C'Mon Everybody, versão divertida de uma canção, também ótima, do Eddie Cochran. Essa cover era cantada pelo guitarrista Steve Jones e quando finalmente ouvi o Never Mind the Bollocks, pouco depois, o impacto fulminante dele estava integralmente preservado, porque a sonoridade era outra, muito mais agressiva.
A primeira música, após a abertura com Ceremony, era Disorder, do Joy Division. Minha música favorita do New Order era Ceremony, ou seja, eu já era fã do Joy Division um ano ou dois antes, sem saber. A cena era impactante: uma reportagem sobre o skate de rua no centro de Sampa. Um dos skatistas, Neguinho, subia em transições de esculturas modernas, que inclusive tinham uma parte móvel. Ao fundo, alguém passava fazendo um g-turn. Ao fim, desciam um calçadão lotado de passantes que pareciam até um pouco indiferentes àquela algazarra, como se fosse algo usual, enquanto Ian Curtis cantava solenemente: "I've got the spirit, but I´m losing the feeling". Toda a música era ficção científica, convidando para um futuro desafiador, com ruas hostis, no qual é preciso ser safo e estar preparado. E foi isso mesmo que aconteceu, nos 28 anos seguintes.
Capa feita por Peter Saville para o disco Unknown Pleasures, do Joy Division (1979).
Esta é minha última crônica do ano. É uma versão ampliada da minha Micrônica 1979, que publiquei no Instagram em oito de dezembro de 2017, cujo título alude ao ano de lançamento de Unknown Pleasures, o primeiro LP do Joy Division. Como algumas das minhas micrônicas escritas à mão são relativamente extensas, não se restringindo mais ao limite de caracteres do twitter, pensei em aproveitá-las como crônicas mesmo, expandindo-as.

Tuesday, December 26, 2017

Papai Noel, Velho Batuta

Quando criança, acreditava em Papai Noel mesmo e continuei acreditando por muito tempo, até os onze anos. Isto é uma hora extra da ingenuidade, duvido que outras crianças dos anos oitenta continuassem acreditando até uma idade tão avançada para a puerilidade, quanto mais as de agora, com mais acesso ainda à informação. Foi quando ganhamos bicicletas. Eu, meu irmão Eurico e minha irmã Fernanda não conseguíamos dormir cedo, ansiosos para ganharmos nossas magrelas. Minha mãe até que tentou nos distrair, mas não teve jeito, meu pai vacilou na hora de sair e sacamos que foi ele quem trouxe as bikes. A Nanda não sei, mas eu e o Eurico percebemos na hora. Papai Noel morto à parte, o importante é que papai é quem estava vivo e no dia seguinte já estávamos de rolê sobre duas rodas.
Aquele ano de 1985, coincidentemente, foi o ano de lançamento de Mais Podres Do Que Nunca, o primeiro disco do Garotos Podres, punks do ABC paulista. O vinil tem o clássico Papai Noel Velho Batuta, cuja letra logo me chamou a atenção, dois anos depois, ao, milagrosamente, ouvi-la no rádio: “Papai Noel/O velho batuta/Rejeita os miseráveis/Eu quero matá-lo/Aquele porco capitalista/Presenteia os ricos/Cospe nos pobres!”. Se Papai Noel não existe, então tudo é permitido. Na verdade, a original tinha um palavrão no título, mas a censura, na redemocratização ainda capengando, os obrigou a mudar o título e a letra. A real é que, por mais que goste de palavrões, prefiro versão com “batuta”, soa muito mais irônico. Virou um hino natalino, gosto de cantá-la em natais em família e na web é possível até encontrá-la numa versão com coral, com o devido palavrão no lugar. Toma essa, censores.
Talvez o melhor natal de todos tenha sido justo por aí, 1987 ou 1988. Meu pai tinha uma picape, salvo engano uma Fiorino, e como vivíamos uma era de irresponsabilidades no trânsito, não só toleradas, como incentivadas, ele levou eu, meus irmãos e nossos amigos para darmos uma volta na caçamba, no centro da cidade. Uma cena bastante comum, à época. Mas à noite, nas ruas centrais, foi inédito para nós. O encantamento das luzes e enfeites vistos com vento na cara é uma sensação de liberdade que permanece comigo. Melhor presente.
Capa e contracapa de Mais Podres do Que Nunca (1985), primeiro LP dos Garotos Podres.


Esta crônica natalina foi publicada no Jornal da Cidade (Poços de Caldas/MG) em 23 de dezembro de 2017. Outro texto inédito, escrito especialmente para o jornal, republico-o aqui levemente revisado - corrigi apenas um erro à luz da nova ortografia e alterei uma frase do último parágrafo apenas para que ficasse mais clara, não mudando em nada o seu sentido.

Wednesday, December 20, 2017

The Smiths

A descoberta do The Smiths foi inesquecível para mim. Como inúmeras bandas dos anos oitenta, cheguei atrasado. Tudo bem, era pré-adolescente à época. Num belo dia – ou, melhor dizendo, numa sombria tarde – liguei a TV Cultura e o Kid Vinil, que infelizmente faleceu neste ano, anunciou numa chamada, em tom lúgubre, que apresentaria um especial chamado The Smiths Are Dead. Passava um trechinho de uma música de fundo, creio que de The Boy With The Thorn In His Side, embora não me lembre com certeza. Foi o suficiente para captar minha atenção, pois me apaixonei pela harmonia. À primeira audição.
Hoje imagino, caso tenha a oportunidade de rever esse especial, que acharia a abertura datada, mas à época me impressionou fortemente: uma montagem em computador, com cores fortes, de um cemitério exibindo uma tumba com a inscrição The Smiths. Fora engano, havia a data da existência da banda gravada no túmulo: 1982-1987. No início do programa, Kid Vinil avisou que os Smiths haviam acabado de encerrar suas atividades.
Como o grupo terminou ao lançar o disco Strangeways, Here We Come, em setembro de 1987, aquele especial foi no final daquele ano, quando eu tinha doze primaveras ou já havia recém-completado treze anos. A sequência de videoclipes foi matadora, foi sorte ter contato com esse material em tenra idade. O clipe da já mencionada The Boy... era o menos interessante deles, mas servia para saber como os integrantes eram, pois não tem nada além deles tocando num pequeno cômodo. Os demais são obras-primas; por mais que essa palavra seja desgastada, não há outra para qualificar tamanhas preciosidades.
Por uma hora, assisti, hipnotizado, clipes como os de Girlfriend In a Coma, There´s a Light That Never Goes Out, Ask, How Soon Is Now e outras músicas que hoje são clássicas. Anos depois, descobri que vários destes vídeos foram dirigidos pelo cineasta Derek Jarman. Em alguns ele usa o já naquela época superado formato super-8. O efeito é arrebatador; embora ainda tivesse o inglês incipiente, percebi que How Soon Is Now evocava um amor inatingível. As imagens da belíssima modelo loira de cabelo chanel, de trechos desfocados de show, das chaminés de uma indústria muito poluente, sugeriam algo inatingível – inclusive para mim. As camadas de guitarra e a ambiência misteriosa do som arrematavam as imagens de forma mesmerizante. É muito curioso que minha relação com a música seja tão influenciada pelo audiovisual, muitos anos antes da estreia da MTV no Brasil.
As canções dos Smiths sobrevivem também sem a lembrança dos vídeos. A delicadeza das melodias, o vocal inaudito e inconfundível de Morrissey, o lirismo arrebatador das letras redundam numa banda única. Ainda bem que nunca houve uma volta, por mais que talvez gostasse de ver. Tiveram uma carreira intensa, sem nenhum disco ruim. Ao menos vi uma apresentação do guitarrista Johnny Marr em 2015, no festival Cultura Inglesa. Ele tocou várias músicas dos Smiths, o vocal dele não comprometeu e, para minha completa surpresa, conseguiu reproduzir aquela sonoridade fantástica de How Soon Is Now ao vivo. Não é pouco, há bandas indies posteriores aos Smiths, da chamada geração shoegaze, que não conseguem fazer ao vivo alguns efeitos que obtinham em estúdio; consta que é o caso do My Bloody Valentine e constatei isto pessoalmente num show do Swervedriver, no ano passado.
Aquele especial The Smiths Are Dead também me marcou por outro motivo. A TV ficava na sala, não havia outra. Bem na hora em que o especial estava passando, uma menininha que havia se mudado naquele final de semana para o prédio em que morava foi brincar com minha irmã Fernanda no nosso apartamento. Fiquei pistola com a algazarra e os gritinhos dela e as enxotei da sala. É por isso que sei e sempre digo para a minha amiga Ana Karla Rodrigues que a conheço e a sua família – era a irmã dela, Paulinha, que estava bagunçando minha experiência com os Smiths – desde 1987. Ou seja, somos amigos há exatamente três décadas.   
Daniel Souza Luz é jornalista e revisor
Minha coleção em vinil dos Smiths. Todos foram presentes da minha mãe, adquiridos num sebo de Beagá.
Esta crônica foi originalmente publicada em 16 de dezembro de 2017 no Jornal da Cidade (Poços de Caldas/MG). Foi a minha primeira crônica inédita em meses, as anteriores foram versões retrabalhadas de crônicas que publiquei neste blog. Esta versão foi revisada e corrigida; na original grafei incorretamente Thorn (escrevi "The Boy With The Torn in His Side") e cometi um erro factual: não vi um vídeo de Panic (há versão ao vivo), mas sim o de Ask. Também substitui o verbo "acabou" por "terminou" no início do segundo parágrafo, para não deixar a leitura cansativa.

Tuesday, December 12, 2017

Talking Heads, uma crônica imersiva

Uma das lembranças mais antigas e marcantes que tenho é de quando a TV Tupi saiu do ar. Foi tão estranho... Há pouco tempo me dei conta de que foi a primeira morte que testemunhei. Pesquisando depois, já adulto, vi que isso foi em meados de 1980. Tinha cinco anos, portanto. Um dia liguei a televisão e o canal havia desaparecido – época da ditadura, agora isso me parece sinistro. Houve um aviso do fim no dia anterior, tenho uma vaga lembrança; não sei se isso é uma memória falsa que criei.
Há outro fato esquisito: li que a Tupi tinha novelas. Não me lembro bem disso. A Globo tinha e que odiei o fato dela ser a única outra estação de televisão que pegava bem, porque à noite gostava de ver faroestes e desenhos. Recordo-me até que pegava o sinal da Globo de São Paulo, mas logo apenas o noticiário de Minas passava aqui, isso antes da EPTV. Parece que me lembro do Chaparral na Tupi, mas talvez tenha sido apenas na Record, nos anos oitenta. Bonanza passava na Tupi, disso tenho certeza. Não me lembro das tramas, mas me recordo de algo muito melhor.
Há até fotos datadas de 1979. Eu andava com chapéu de cowboy e armas de brinquedo quando era criancinha. Meu irmão Eurico também. Na verdade tenho lembranças até mais antigas, de quando tinha uns quatro anos, de gostar de filmes e seriados de faroeste. E tinha um hábito mais solitário, não brincava só com meu irmão de mocinho e bandido. Eu gostava de participar dos faroestes. Fazia assim: postava-me ao lado da TV. Prestava atenção ao que os personagens diziam e participava dos diálogos. Como tinha muito plano americano, agia como se estivessem falando comigo também. Se alguém dizia “A emboscada será no desfiladeiro” eu tentava responder com algo que fizesse sentido, como “Isso mesmo amigo, vamos pelo outro caminho!”. Como ficava feliz quando o diálogo calhava com o que eu dizia! Muitas vezes dava certo.
Só havia um senão: geralmente os personagens para os lados dos quais me bandeava morriam ou se ferravam. Então começava tudo de novo, no meio do filme ou episódio, como se nada houvesse acontecido. Fazer o quê? Mas eu estava sempre presente na trama. Acho que fui um pioneiro da realidade virtual, isso sim foi imersão.
David Byrne, vocalista do Talking Heads, em foto de 2009. Não há créditos para o fotógrafo, peguei-a via licença Creative Commons página Alterna 2, no Flickr. Link para a foto original: https://www.flickr.com/photos/alterna2/3472249824/

"Talking Heads, uma crônica imersiva" foi publicada no Jornal da Cidade (Poços de Caldas/MG) em nove de dezembro de 2017. É uma versão retrabalhada de uma crônica de mesmo nome publicada aqui no blog em 26 de janeiro de 2017. O nome, obviamente, é uma homenagem à clássica banda new wave.

Tuesday, December 05, 2017

Minutemen, crônica sobre um vendedor punk

"Minutemen, crônica sobre um vendedor punk" foi publicada pelo Jornal da Cidade (Poços de Caldas/MG) em dois de dezembro de 2017. É uma versão retrabalhada de uma crônica de mesmo nome publicada aqui no blog em 20 de fevereiro de 2017.
A versão da crônica publicada no jornal foi ilustrada com a capa do EP Tour Spiel, lançado pela Reflex Records (a gravadora do Hüsker Dü) em 1985.

Monday, November 27, 2017

Pin Ups, Carandiru e Trem da Alegria

Pin Ups, Carandiru e Trem da Alegria é uma crônica minha publicada pelo Jornal da Cidade em 25 de novembro de 2017 e disponibilizada online pelo jornal aqui. É uma versão ampliada de uma micrônica minha escrita à mão e publicada na minha conta do Instagram em 22 de outubro de 2017.

Tuesday, November 21, 2017

Jesus and Mary Chain

Muitas bandas, mas muitas mesmo, passei a gostar ao ler sobre elas, muito antes de ouvi-las. Anos antes. Isso aconteceu comigo e vários amigos meus. Anos oitenta, baby.
Não me esqueço da primeira vez em que li sobre o Jesus. Estava esperando meu pai no antigo escritório dele, na Rua Assis Figueiredo, no segundo andar de uma construção onde hoje há uma igreja evangélica; eu era criança ou adolescente. O problema é que agora a lembrança não é tão exata. Mas do texto me lembro bem da frase que marcou. Não é a citação literal, mas o crítico musical escreveu algo muito parecido com isto: “Este disco do Jesus and Mary Chain é um tiro do Magnum 45 na cabeça de quem diz que o rock inglês está morto”. Estava em uma Folha de S. Paulo, salvo engano, que estava dando bobeira ali na sala de espera. Será que foi na época do Psychocandy, quando eu tinha 11 anos, ou do Darklands, quando eu já tinha 13? De quem será o texto? Há muito tempo tenho para mim que, pelo estilão, é o tão amado e odiado jornalista Pepe Escobar.
Guardei bem o nome da banda. Depois disso, uma amiga de infância, a Cláudia Cândida, levou uma Bizz Letras Traduzidas para casa. Ela a esqueceu lá e fiquei fascinado. Pedi para que ela deixasse comigo mais um tempo para eu ler todas as letras; ela me deu a revista, o que foi muito bacana da parte dela. E lá estava uma letra do Jesus and Mary Chain, Darklands, faixa-título do disco de 1988.
Nunca tinha visto tanto niilismo e desesperança. Ainda não conhecia as letras do Ian Curtis, do Joy Division, incomparavelmente mais sombrias. Fiquei boquiaberto, em especial com o final de Darklands, que me pareceu mais irônico do que amargo. Foi paixão à primeira leitura. Decorei a letra muito antes de realmente ouvir a música; na verdade, antes mesmo de ouvir o que quer que fosse da banda.
Fiquei um tiquinho decepcionado a primeira vez que consegui escutar. Amo Just Like Honey, mas, pelo o que lia, pensava que fosse mais barulhento, e foi justo a primeira música deles que ouvi/vi o clipe. Perto do Bauhaus, banda gótica que escutava bastante à época, achei muito contido. Só tinha acesso via vídeos que passavam no Som Pop na TV Cultura. Mas meu irmão ganhou de uma menina que era apaixonada por ele, em 1990, uma coletânea em vinil chamada Skate Surf Music; tinha uma música deles, Surfin’ USA, versão esporrenta de um som do Beach Boys que eu já conhecia, aí sim gostei. Nem lembro mais onde e quando que finalmente ouvi Darklands pela primeira vez. Mas a música fazia jus à letra, felizmente.  
O Jesus and Mary Chain veio ao Brasil pela primeira vez em 1990; eu era muito adolescente ainda e fiquei sabendo dessa vinda depois. Quando voltaram, já no século vinte e um, não me animei, mas em 2014 resolvi assistir ao show deles no Memorial da América Latina, no encerramento do Festival Cultura Inglesa. Estava tão perfeito que começou a ficar robótico justamente em Blues From a Gun, som que flerta com a eletrônica; então felizmente eles erraram feio uma música e tiveram que parar na metade para reiniciá-la. Ao humanizarem o show, veio um momento mágico, inesquecível para os presentes: justo quando começaram a tocar Happy When It Rains caíram momentaneamente pingos de chuva que abrilhantaram o momento e não estragaram o resto da apresentação.

Esta crônica foi publicada no Jornal da Cidade (Poços de Caldas) em 18 de novembro de 2017. É uma versão ampliada de "Jesus and Mary Chain, uma crônica sobre como foi se apaixonar pela banda nos anos oitenta", publicada aqui no blog em 13 de março de 2017. 

The Jesus and Mary ao vivo com a Scarlet Johansson. Foto de Juan Bendana/Creative Commons. A original pode ser encontrada aqui.

Friday, November 17, 2017

Dead Kennedy

O vinil branco. O famoso vinil branco do Fresh Fruit for Rotting Vegetables, que lembra meus primeiros discos de infância; embora meus primeiros compactos com histórias infantis fossem vermelhos e verdes, o encantador disco com as histórias d’O Leão Cantor, o Rouxinol do Imperador e Chapéuzinho Vermelho também é branco – ainda o tenho. Demorou um tanto bom para consegui-lo. Usado e sem o famoso encarte enorme, que nunca vi pessoalmente.
A primeira vez que li sobre o Dead Kennedys foi, obviamente, em revistas de skate, no fim dos anos oitenta. Claro que gostei do nome. É uma clássica banda da Califórnia, uma das poucas das que fez a transição do punk rock para o hardcore mais veloz, mas mantendo características distintas, com influências de surf music, rockabilly e psicodelismo. Faziam até versão dos Beatles e Elvis, uma anátema para época. Fui ouvir só em 1989 ou 1990, quando o Kid Vinil passou um trecho de um show deles na TV Cultura. Foi mesmerizante, pela primeira vez estava vendo como era um show de hardcore, sem separação entre banda e público; parecia – e é – algo mágico, um estado de graça, de congraçamento, ainda que sem conteúdo religioso. Eu me lembro até dos gestos teatrais do vocalista Jello Biafra no vídeo deste show – revendo-o, já em meados dos anos noventa, notei que a música que havia sido exibida era Bleed for Me, denunciando os casos de tortura das ditaduras militares no Brasil, Paraguai e Argentina.
Salvo engano, neste mesmo dia o Kid Vinil passou Holiday in Cambodia, que depois foi exibida novamente, sozinha. Aí queria porque queria o primeiro disco, o já mencionando Fresh Fruit... Só fui conseguir em 1991, usado. Comprei de um amigo, o Leandro Tramonte, hoje um engenheiro bastante conhecido em Poços de Caldas, que na verdade o vendeu para ajudar um primo, o dono original, que meteu a faca no preço. O álbum era de uma galera em São Paulo, tinha o nome de todos os que fizeram a vaquinha para ter o vinil e mais um monte de inscrições a canetinha na capa e verso, como “Piração Total” e “Punk’s not Dead”. Tudo bem, o importante é que o vinil não tinha risco e provavelmente os donos originais jamais recuperariam o disco, pois o primo do Leandro, cujo nome nunca me preocupei em saber, havia se mudado para uma cidadezinha do daqui do interior de Minas Gerais, a vizinha Campestre. Detalhe: na contracapa havia também a inscrição “Carecas do Subúrbio”. Eu a risquei e escrevi embaixo “Nazi Punks Fuck Off!”, mesmo que ainda não tendo ouvido a música à época. Mas sabia do título e já havia pegado o espírito da banda.
O Dead Kennedys acabou em 1986, poucos antes do lançamento tardio do disco no Brasil e da vinda deles para o país. Estavam lutando contra Tipper Gore, esposa de Al Gore, e um bando de políticos que queriam censurar discos, devido ao encarte do álbum Frankenchrist, que tinha um pôster com um quadro do artista suíço H.R. Giger, cujo título era Penis Landscape. Foram acusados de distribuir material pornográfico para menores, num esquema agora repetido pelo nada criativo MBL no Brasil. Especialistas em artes testemunharam em favor da banda e o promotor do caso em Los Angeles, Michael Guarino, posteriormente pediu desculpas pela tentativa de censura. A ver se no Brasil o Ministério Público e o poder judiciário terão o mesmo bom senso em casos análogos.
Os integrantes acabaram brigando depois e a banda voltou no começo do século. Acusavam o vocalista, Jello Biafra, de não ter composto as músicas, como ele alegava, apenas as letras. Por mais que sejam grandes músicos, habilidosos, e mereçam mais créditos, para mim hoje está claro que Jello era o principal compositor mesmo. Os Kennedys remanescentes nunca mais fizeram uma música, Jello faz uma banda atrás da outra e compõe para todas.
Meu velho álbum do DKs. Tirei a foto com celular em 17 de novembro de 2017.
Em 2009 ele lançou um disco com um novo grupo que fazia excursões, o Guantánamo School of Medicine, e finalmente veio para uma tour ao Brasil no ano seguinte, embora já tivesse feito participação especial em shows com Sepultura, Mano Negra e Ratos de Porão aqui, em 1992, no lançamento do livro Barulho, de André Barcinski. Não bastasse este show de 2010, o Jello Biafra and Guantanamo School of Medicine ainda veio de novo pra cá em 2012 e fui ao show novamente. Este me surpreendeu mais ainda. Já velhinho, não esperava que ele tocasse Nazi Punks Fuck Off, uma música muito veloz, a mais rápida do Dead Kennedys, mas fui atropelado por ela em meio a apresentação. Não bastasse isto, parece mentira, mas ainda fiz um stage dive (pulei do palco), fui levado nos braços do público para trás e trago de volta para frente do palco. Meus amigos estavam no bar, não conhecia ninguém que me carregou. Foi lindo.

Esta crônica foi publicada no Jornal da Cidade (Poços de Caldas/MG) em 11 de novembro de 2017. Era para ter saído uma semana antes, mas esqueci de salvar o arquivo e o enviei vazio ao editor, João Gabriel Pinheiro Chagas. É uma versão ampliada de "Dead Kennedys, uma crônica", publicada aqui no blog em 26 de setembro de 2016. O título foi alterado para Dead Kennedy pelo João Gabriel e gostei, esta tem um tom (ainda) mais pessoal. Esta versão difere da publicada no jornal por duas correções no último parágrafo: acrescentei que o Jello Biafra havia tocado também com o Mano Negra (antiga banda de Manu Chao) no Brasil em 1992 e alterei o trecho "não conhecia ninguém que fez isso" para "não conhecia ninguém que me carregou", para fins de mais clareza.

Thursday, November 02, 2017

Morte por Napalm

Tem duas bandas sobre as quais li nos anos oitenta, em revistas de skate como a Yeah! e a Overall, e virei fã antes mesmo de ouvir, só por causa dos nomes: Sex Pistols e Napalm Death. Eu era garoto, estava começando a aprender inglês e ficava embasbacado. Como alguém tinha coragem de batizar grupos com nomes tão fortes? A primeira vez que ouvi o Never Mind the Bollocks foi inesquecível, porque cultivava expectativas enormes, e sempre me decepcionei ao ter grandes expectativas com algo, menos com o Sex Pistols.

Já o Napalm Death atendeu perfeitamente ao que esperava, até porque já tinha uma ideia melhor de como era a música, pois posteriormente li mais um artigo sobre eles, na minha revista de HQ favorita, a Animal, escrito pelo João Gordo, do Ratos de Porão. Ele descrevia o som deles e de outras bandas da Earache (Dor de Ouvido, em português), a gravadora independente que lançou o Napalm, como algo muito mais barulhento do que já era conhecido à época, o hoje bem estabelecido gênero musical grindcore, e ao final do texto, nunca me esqueci da frase, ele afirmava “só sei que liquidificador com gelo também é música”. Quando finalmente consegui ouvir o From Enslavement to Obliteration, segundo disco deles, já no começo dos anos noventa, o som era exatamente isso.

Consegui ter acesso porque gravei uma fitinha do disco de um amigo de um amigo de Poços de Caldas, cujo nome sequer me lembro. Nos antigamente era assim, esta troca de vinis e fitas na virada daquelas décadas era muito intensa. Além disso, achei outros álbuns deles em locadoras de CDs. Este deve ser um conceito muito estranho para quem é mais novo, imaginar alguém alugar um CD para escutar e gravar um disco numa fita cassete. É incrível que a cidade ainda tenha algumas locadoras de DVDs e Blu-Rays.

Por inúmeras razões, ao longo dos anos e das várias vindas do Napalm ao Brasil, nunca havia visto um show deles. Só fui assisti-los no ano passado, com mais de quarenta anos; finalmente pude reencontrar-me com minhas perspectivas de adolescente e as satisfazê-las completamente. Foi um dos melhores shows que já vi. Saí cedo da casa da garota com quem estava então namorando e de tardezinha já estava na fila do Clash Club, em São Paulo. Além da abertura com uma banda brasileira famosa no estilo, o Test, pude apreciar a companhia dos meus velhos amigos dos tempos da Unesp, Tatá Mazza e Fernando Ovelha, e fazer amizade com um chegado deste último, o Celinho. Um amigo de Poços, Alex Aguiar, também estava , mas não o encontrei.

Um aspecto muito legal da apresentação é que, como é uma banda de grindcore, mas com um grande público ligado ao heavy metal – inclusive porque a banda com o passar dos anos adotou muitas influências do death metal –, o público era muito heterogêneo, o que é muito mais saudável. Ao contrário de outros shows de hardcore e principalmente de metal, havia mais negros, mulheres e pessoas com camisetas de bandas que não são ligadas ao metal. Uma moça negra subia no palco e às vezes fazia o famoso stage diving, que é quando alguém pula no público; depois a ajudavam a voltar, inclusive também ajudei dando-a a mão. Num show de heavy metal, cujo público atualmente tornou-se muito conservador e machista, em termos gerais, isto é quase inimaginável.

Outro detalhe bacana é que apesar do vocal gutural, o vocalista Barney Greenway, com a fala tranquila e o sotaque britânico acentuado, parecia que a qualquer momento iria nos convidar para tomar o chá das cinco. Pude cantar (na verdade, berrar) ao microfone o refrão de uma das músicas, Greed Killing, de tão perto que estava do palco. Até tive o privilégio de ver You Suffer, música lendária que entrou para o livro Guinness de Recordes nos anos oitenta, por ter apenas um segundo. Como o Barney brincou, quem olhou para trás perdeu. Quando o show acabou, devidamente curto e grosso, sem bis, eu estava mais disposto do que quando cheguei.
Foto que tirei no final do show do Napalm Death, do Barney conversando com o público no Clash Club, em 26 de junho de 2016, São Paulo/SP

Esta crônica foi publicada no Jornal da Cidade (Poços de Caldas) em 28 de outubro de 2017. É uma versão da minha crônica Napalm Death, publicada aqui em 27 de junho de 2016. Adorei reescrevê-la, uma complementa a outra, pois nesta segunda versão, publicada no jornal e levemente retocada aqui no blog, escrevo tudo o que não cabia na primeira versão, da qual limei detalhes do show que não encontrariam eco, quero crer, nos leitores do jornal.

Tuesday, October 24, 2017

Siouxsie and the Banshees, crônica da descoberta

Sons soturnos para dias alegres. Acho que a primeira vez que ouvi Siouxsie and the Banshees foi quando vi o clipe de Peek-a-Boo no Som Pop, apresentado pelo Kid Vinil na TV Cultura. Não gostei muito, até hoje não sou grande fã da música. Lembro bem da figura marcante da Siouxsie no clipe, mas um dia o som realmente me encantou. No mesmo programa, tempos depois, foi exibido o clipe de Hong Kong Garden, de 1978. Aí sim. A guitarra aguda, com tons orientais, o baixo saliente, a batida final num gongo, o vídeo feito com cores em tons negativos, tudo aspirava a um mistério inalcançável para mim, enquanto a energia era um convite para me perder num abismo etéreo. Não dá para descrever, essa descrição não basta, mas é isto.
Cacei os vinis o máximo que pude. O que pude encontrar, no fim dos anos oitenta, no interior de Minas Gerais, foi nada. Achei uma coletânea chamada New Wave Times em um sebo somente em 1991. É muito bacana, a capa é uma paródia do New York Times e foi feita no Brasil no fim dos anos setenta, entre outras pessoas, pelo... Kid Vinil! O disco tem muitas bandas chatas e outras absurdas de legais, como The Jam, Sham 69, The Chords e a Siouxsie Sioux com seus Banshees fazendo uma versão de Helter Skelter. Li nos créditos que a música era dos Beatles, pois não conhecia, mas até hoje minha versão favorita é a da Siouxsie and the Banshees. Começa devagar, baixo de uma nota só secundado por um guincho de guitarra que vai sendo acelerado pela bateria, soando como um trem ganhando velocidade aos poucos até descarrilar violentamente, no final abrupto.
Apesar de nessa época já ter escutado também Cities in Dust no rádio e ter achado a melodia fascinante, qual não foi a minha decepção ao finalmente achar um álbum da Siouxsie e sua gangue num sebo, já em 1992. Era o Hyaena, de 1984, com uma sonoridade bem mais sutil. Não bastasse isso, tinha um colante da Fluminense FM na capa e uma amiga de infância, a Ana Karla Rodrigues, quando viu, achou curioso (brega mesmo, na verdade) e tirou um sarro, aumentando o meu desgosto. Havia mais um colante, destacando outra cover também dos Beatles, Dear Prudence, da qual não gostei a princípio. Demorou mais de ano para eu realmente apreciar o disco, mas felizmente não desisti dele. Aos poucos as músicas foram ganhando minha afeição e por muito tempo foi o único disco dela a que tive acesso.

Daniel Souza Luz é jornalista e revisor

Esta crônica foi publicada no Jornal da Cidade (Poços de Caldas/MG) em 21 de outubro de 2017. É uma versão reescrita e revisada de uma crônica publicada aqui no blog em três de outubro de 2016. Aqui o nome da Siouxsie está correto; na versão para o jornal, tal como a original, faltou um "s"; o editor João Gabriel Pinheiro Chagas gentilmente a revisou novamente, notou o erro e avisou-me, mas ao acrescentar a letra errou também a grafia - é minha culpa não tê-lo informado corretamente, registre-se.
Esta fotografia foi publicada junto à crônica no Jornal da Cidade, com a legenda "Siouxsie and the Banshees, banda de rock britânica formada em 1976". Não sei qual é a fonte da foto e nem quem é o fotógrafo.

Tuesday, October 03, 2017

Fellini (terceira versão)

É curioso quando penso hoje a respeito porque os nomes nem se parecem muito. No fim dos anos oitenta, quando eu tinha entre 13 a 15 anos – ou seja, entre 1988 e 1990 –, comecei a gostar de dois grupos que tocavam muito de vez em quando no rádio: Fellini e Defalla. Como era o auge do chamado BRock, o rock brasileiro que finalmente caiu no gosto popular, até mesmo grupos alternativos tinham certa projeção. Eram tempos de informações escassas e nada sabia sobre as bandas, a não ser que eram brasileiras, porque cantavam em português. Mas confundia uma com a outra e na minha ingenuidade ainda meio infantil achava que quem tinha uma música chamada Teu Inglês era o Defalla.
Desfiz a confusão quando comprei o 3 Lugares Diferentes, vinil do Fellini lançado pelo legendário selo independente Baratos Afins. Só consegui encontrá-lo em 1991, ou mais provavelmente em 1992, quando comprei muitos discos num tradicional sebo de Poços de Caldas, pois muita gente se desfazia de vinis na era do CD, para a minha felicidade. Vinil era algo meio inacessível que se tornara barato... e atualmente deixou novamente de ser acessível.
Mais curioso ainda é quando reflito por que Teu Inglês é uma música que me fascinava tanto. Talvez gostasse do sentimento de saudade que a letra evocava, ainda que fosse novo demais para isto. Mais do que isso, noto que somos, em boa medida, produtos do nosso tempo. Gosto tanto da sonoridade pós punk porque vários discos do fim dos anos setenta e começo dos anos oitenta estavam saindo no Brasil naquela época, com atraso: obras do Joy Division, PIL, The Cure, The Fall, Siouxie and the Banshees, os primeiros do New Order e tantos outros. Não sabia ainda de nada disso, mas escutava no rádio e principalmente em programas de skate na TV; além disso, bandas como Legião Urbana, U2 e o próprio New Order eram muito populares, preparando meus ouvidos para as sonoridades mais experimentais do gênero.
Se não deixo de ser um produto do meu tempo porque o Fellini que mais me importa é a banda, ressaltando que também amo os filmes de Federico Fellini, devido às memórias da adolescência, não deixo de ter alguma satisfação por também não ser exatamente um produto e me encaixar nos padrões de qualquer indústria cultural, mesmo que alternativa: Teu Inglês é única, muito diferente de Rock Europeu, outra música do Fellini que fez pequenino sucesso à época e tinha forte influência pós punk – ainda que em certa medida o ironize –; no entanto, só a conheci décadas depois. Se algo que não se encaixa nem nos padrões tortos que procuravam fugir de padronizações me fascinava quando garoto, é porque estava na senda certa. Minha irmã Fernanda reparou no ano passado, quando eu ouvia o vinil, que Teu Inglês tem até alguma brasilidade escondida no ritmo. Alquimia que só me interessaria de verdade muitos e muitos anos depois. Ou seja, a música também instruiu meus ouvidos, mas para outros experimentos.
Daniel Souza Luz é jornalista e revisor

Esta crônica foi publicada no Jornal da Cidade (Poços de Caldas) em 30 de setembro de 2017. É uma versão corrigida de uma crônica de mesmo nome que havia publicado aqui no blog em 11 de julho de 2016. No entanto, esta versão difere da do jornal em algum detalhes, portanto aquela fica exclusiva para o papel. Nesta fiz ainda mais correções de português e ampliei ainda um pouco mais, incluindo o nome da minha irmã e algumas frases. Mais importante para mim, a frase que abre o último parágrafo era acidentalmente longa e a tornei propositalmente extensa, adicionando mais uma oração - já era tortuosa e queria torná-la mais torta ainda, pois falo justamente de caminhos tortuosos. No entanto, creio ter alcançado meu intento de ainda assim ser compreensível e principalmente fixar-me menos no estilo de frases muito curtas que adotava antigamente. Cansei-me disso, passei a prezar um pouco mais de complexidade, meio como um punk que passa a gostar de rock progressivo.

Capa de 3 Lugares Diferentes, álbum do Fellini lançado em 1987.
 

Tuesday, September 26, 2017

Anjos de Satélites

Vários dos meus melhores amigos, quando eu era criancinha, eram de desenhos animados e de gibis. Eles eram tão legais quanto os melhores amigos da vida. Ninguém brigava comigo, nem os amigos de verdade e nem os dos desenhos e das histórias em quadrinhos, que também eram “de verdade” para minha imaginação infantil; os amigos dos desenhos só brigavam entre si na TV e nas revistas, mas ninguém nunca se machucava – ou não se machucava muito – ou morria. Nos gibis do Gasparzinho, os fantasmas e os diabinhos também não morriam. Ninguém morria, nem os mortos.
Lembro de uma visita à tarde de uma tia lá no apê da minha infância. Ela ficava abismada toda vez que via um amigo meu atirando no outro na TV. Achava os desenhos muito violentos.
- É normal tia, ninguém morre de verdade.
Bem nesta hora em que esta minha tia apareceu em casa sem eu saber, o Jerry matou o Tom com um tiro. Ele não foi pro céu e voltou. Ele morreu mesmo, da famosa morte matada.
- Viu, te falei! As pessoas morrem sim – ela implicou.
Lá se foi uma inocência.  

Esta crônica foi publicada no Jornal da Cidade (Poços de Caldas) em 23 de setembro de 2017. É uma versão levemente reescrita, com um final que julgo muito melhor, do meu miniconto autobiográfico Comsat Angels, publicado aqui no blog em 23 de novembro de 2015 e agora despojado de seus poucos elementos ficcionais. O estilo, imitando a escrita infantil, foi fortemente influenciado pela leitura do livro Brinquedo, de Aran Carriel. O título é justamente uma tradução aproximada de Comsat Angels e homenageia a banda inglesa pós punk de mesmo nome. A capa escaneada do gibi do Brasinha foi tirada de um site de HQ e creio que não infringe - ao menos espero que não infrinja - nenhum direito autoral, por ser um registro histórico de uma revista já extinta. Já a havia usado de ilustração na postagem do texto original.

                                         

Friday, September 22, 2017

Prédios Novos Já Velhos

A quarta crônica que publiquei no Jornal da Cidade (Poços de Caldas) foi Prédios Novos Já Velhos, em 18 de março de 2017. É uma versão levemente reescrita da crônica Einstürzende Neubaten, publicada aqui no blog neste ano mesmo, dias antes, em dois de março. Traduzi o título, mas mantive a homenagem à banda alemã de som industrial de mesmo nome, da qual gosto muito.
Rua Platina, com o Edifício Beta à esquerda. Tirei esta foto com celular em 2012.

Tuesday, September 19, 2017

Au Pairs, Crônica de uma Infância Feliz.

Au Pairs: crônica de uma infância feliz foi publicada no Jornal da Cidade, Poços de Caldas, no dia 16 de setembro de 2017. É uma versão retrabalhada e um pouco ampliada de uma crônica com o mesmo título e subtítulo que publiquei originalmente no blog em 27 de dezembro de 2016. O título é uma homenagem à banda pós punk feminista Au Pairs, formada na Inglaterra no final dos anos setenta do século passado.
http://www.jornaldacidade1.com.br/au-pairs-daniel-souza-luz/

Tuesday, September 12, 2017

Arame

Invasão de propriedade. Nunca vimos como maldade ou crime. Criança não conhece essas fronteiras. Sabem que elas existem, mas se não estragamos nada, qual o problema? Nos anos oitenta, com o fim da ditadura, tudo tinha cheiro de liberdade.
Uma das melhores lembranças que tenho da época é pular dentro do pátio de uma loja de pneus e artigos automotivos que ficava fechada do sábado à tarde até a segunda de manhã e ficarmos andando de skate no cimento liso daquele lugar tranquilo, que até hoje permanece o mesmo, pois, claro, nunca estragamos nada, não queríamos ser descobertos e repreendidos – ainda tenho vontade de pular lá dentro, sei que continua igual, pois sou cliente da loja. Em 2014 cheguei a andar de skate no pátio aberto na frente, que também é grande e propicia bons rolês, mas não tem tanta graça quanto pular aquele muro. Mas deixa isso pra lá, também me lembro de amigos relatarem que a Cida Caselli deu um apavoro neles quando pularam lá, há quase trinta anos. Ela ainda tem muitos fãs por aí e já não sou mais tão novinho para ser tão desajuizado.
No mesmo quarteirão dessa loja, o de baixo de onde eu morava, no bairro Marçal Santos, tinha uma fábrica de chocolates na qual ia, quando criança, com a minha mãe; lá, os funcionários sempre me davam bombons! Não bastasse essa ótima memória, há outra. Uns dez anos depois, nos idos de 1989, como esta famosa fábrica, a Milktex, faliu, eu, meu irmão e um amigo já falecido, o Maurício Rodrigues, resolvemos ver o que havia por trás dos muros. Que surpresa: tinha uma piscina vazia lá dentro! Ou um tanque azulejado, não sei por que haveria uma piscina ali. Com uma parede curva, que acompanhava a esquina, pois a piscina ficava num canto da fábrica. Não havia transição, tínhamos que andar lá dando wall rides (manobra que consiste em lançar o skate contra a parede e andar brevemente nela, na vertical). Claro que pulamos o muro. Era divertido, mas fomos pouco lá, pois não éramos tão bons nisso e havia o medo de sermos apanhados. Foi o mais perto que já cheguei de andar de skate em uma piscina como as da Califórnia – é uma pena mesmo as daqui não ter transições. Quando penso nisso, parece um sonho, de tão fantástico que foi; líamos nas revistas de skate sobre os secret spots, lugares segredos que um grupo de skatistas jamais contava para os outros, e aquele era o nosso.
Andar de bike e entrar em fazendas ou áreas de represa ou usinas de força (ou algo assim) era mato – literalmente também. Fazíamos isto constantemente à época. O problema sempre foram os arames farpados, alguns enferrujados. Um de nós às vezes se enroscava. Bons tempos, – sei que essa expressão é clichê, fazer o quê? – mas bons tempos mesmo em que as grandes enroscadas eram essas.  
Colin Newman, do Wire, ao vivo em 2011, em Chicago, Illinois, Estados Unidos. Foto de Gina Collecchia, via Flickr/Creative Commons - licença para uso sem fins lucrativos.
Esta crônica foi publicada no Jornal da Cidade, Poços de Caldas, em sete de setembro de 2017. O título é uma homenagem ao grupo britânico de art punk/pós punk Wire. Cheguei a titular a crônica como Arame Farpado, mas o editor do jornal, João Gabriel Pinheiro Chagas, preferiu o título original e ficou uma homenagem literal mesmo à banda. Trata-se de uma versão reescrita e ampliada da crônica que se chama Wire mesmo, publicada neste blog em 14 de dezembro de 2015. Para quem não é poços-caldense: Cida Caselli era uma comissária de menores, já falecida, que tocava o terror em crianças e adolescentes da cidade nos anos oitenta, portanto antes do surgimento do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Conselho Tutelar. A foto que ilustra o texto foi originalmente publicada no Flickr e a usei devido a uma licença Creative Commons. 

Wednesday, September 06, 2017

Cabine C

A terceira crônica que publiquei no Jornal da Cidade (Poços de Caldas), em 08/03/2017, foi Cabine C, uma versão muito ampliada de uma pequena crônica quase homônima que já havia publicado aqui no blog em 29/06/2016, originalmente titulada "Cabine C, uma crônica sobre uma das maiores aventuras de infância". O título é uma homenagem à banda brasileira pós punk de mesmo nome, que lançou apenas um disco em 1986; no primeiro parágrafo fiz uma citação ao Atari Teenage Riot, grupo alemão de digital hardcore. A reescrevi porque acho que não havia conseguido passar a sensação de maravilhamento que tínhamos quando crianças na aventura que narro, mas na versão que saiu no jornal creio que consegui meu intento, devido à repercussão e ao fato de que o relato também me satisfez muito:

Tuesday, September 05, 2017

Televisão, crônica de uma infância cheia de fascínio

Esta crônica é uma versão ampliada de "Television, crônica de uma infância cheia de fascínio" que publiquei no blog em 16 de janeiro de 2017. O título original é uma homenagem à banda protopunk de mesmo nome e a primeira frase é uma citação explícita à música homônima do Titãs. A versão abaixo, com o título aportuguesado, foi publicada no Jornal da Cidade, Poços de Caldas, em dois de setembro de 2017.

A televisão me deixou inteligente, muito inteligente demais. Acordava cedinho no sábado só para ver desenho animado. Antes das oito da manhã ainda dava tempo de assistir Urso do Cabelo Duro e Bionicão. Tenho vagas recordações, pois isso foi há mais de trinta anos, mas me parece irônico e cômico que o primeiro desenho retrate um bando de hippies safos travestidos de ursos e o segundo um cão policial. Como nunca havia pensado nisso? Às vezes rolavam uns crossovers nos desenhos; ainda bem que nunca puseram o Bionicão para reprimir a turma dos ursos, afinal eles eram espertinhos, mas não malandros.
O que era legal demais nesses desenhos é que eles eram psicodélicos, pois eram dos anos sessenta e setenta, mas ainda passavam nos anos oitenta. Os Incríveis era infinitamente mais bacana do que a banda de mesmo nome. Banana Split devia ter ácido nos ingredientes. Jackson Five era tão massa quanto o grupo mirim do Michael Jackson e seus irmãos. A Corrida Espacial fazia discotecas parecerem baladas com viagens boas; apesar de já ser da era disco, o psicodelismo era muito mais mesmerizante. Dias de aventura.  Não esqueço de jeito nenhum das pouquíssimas vezes em que passou o desenho do Recruta Zero, que era um dos meus gibis favoritos. E de que tinha que explicar para os incautos que Danger Mouse não só não era a mesma coisa como também era infinitamente mais legal do que Super Mouse.
Aprendi a ler graças a meu pai, que lia quadrinhos para mim e meu irmão; por isso antes mesmo de entrar na escola conseguia ler alguns trechos, pois queria saber logo como terminavam as histórias que ele não tinha tempo de acabar de ler. Saquei os rudimentos sozinho. Quando lia os créditos nos desenhos animados, mesmo sem saber inglês, notei que havia quem escrevia aquelas histórias e dava vontade de ser um daqueles caras. Como desejar ter um emprego normal se você pode imaginar e escrever as peripécias do Johnny Quest?
Imagem de divulgação do super legal desenho do Jackson Five.

Monday, September 04, 2017

Conta Comigo, Rullyan

A segunda crônica que publiquei no Jornal da Cidade, em 22 de fevereiro de 2017, foi Conta Comigo, Rullyan. Esta foi escrita exclusivamente para o jornal (não havia publicado-a antes aqui no blog), em meia à comoção da morte de Rullyan Carlos de Assis, que lutava contra um tipo de câncer raro e promoveu uma grande campanha de doação de medula. A crônica é dedicada à memória dele. Ele era meu amigo de infância e adolescência, ainda o via às vezes pelas ruas de Poços de Caldas. Depois encontrei por acaso com o irmão dele, que não conhecia, e ele me disse que leu a crônica e se lembrava bem do episódio que narro na crônica. 

Friday, September 01, 2017

New Model Army no Jornal da Cidade

Vou publicar aqui os links das crônicas que publiquei no Jornal da Cidade (Poços de Caldas). A primeira foi New Model Army (título em homenagem à banda homônima, mas também uma brincadeira com o exército histórico inglês e a nossa traquinagem), que postei aqui no blog em oito de fevereiro deste ano e republiquei no jornal na semana seguinte, com uma pequeníssima alteração, acrescentando o nome da rua que dava nome ao bairro onde cresci - ou melhor dizendo, o editor João Gabriel Pinheiro Chagas, do Jornal da Cidade, é que a publicou:
New Model Army no site do jornal

Tuesday, August 29, 2017

Vazio de Romeu

O surgimento do Sararah – e seu provável declínio, daqui a algumas semanas, ou mesmo dias – fez com que me lembrasse de uma história constrangedora para mim. Achei que pegariam no meu pé por anos, durante a adolescência, por causa dela, mas passou batido, para a minha surpresa. Agora vou relembrá-la e eu mesmo vou queimar o meu filme. Aliás, “queimar filme” é uma expressão denunciadora de certa senilidade precoce, afinal não há mais filme algum a ser queimado, e algo extremamente queima filme.
Mas peraí. Primeiro um suspense. Não contarei a história assim, logo no começo. Vou te engambelar, leitor. Você há de concordar que é necessária alguma contextualização. O Sararah é um aplicativo saudita que permite o envio de mensagens anônimas. Segundo matéria da BBC, significa “honestidade” em árabe. Faz-se um perfil no aplicativo e as pessoas mandam as tais mensagens dizendo o que realmente pensam. Uma temeridade em tempos de redes sociais cheias de discursos de ódio, mas na prática o Sararah meio que virou um Tinder de quem vive na friendzone – traduzindo: outro aplicativo, só que de pegação, para quem já conhece quem deseja, mas não tem coragem de dizê-lo diretamente.
Creio que o Sararah já está vivendo seu ocaso, francamente. Parece ter sido um rápido modismo. No entanto, remete aos dias de correio elegante. Quando estava na sétima ou oitava série a escola em que estudava, no fim dos anos oitenta, sei lá por que, num ato lúdico, resolveu institucionalizar a prática. Na hora do recreio instalaram alto-falantes no pátio e liam os bilhetinhos anônimos que os estudantes escreviam uns para os outros. Tinha zoeira, que eles com certeza filtravam, mas também havia os recadinhos de amor. Nunca recebi nenhum. Daí forjei um para mim, mas deixei o bilhetinho cair do bolso. O bully da minha sala pegou antes que eu pudesse esboçar reação, leu em voz alta e tirou o maior sarro, na frente de todos.
Achei que pagaria caro por isso, mas logo fui esquecido, conforme expliquei no início. Minha falta de carisma não me permite nem ser alvo de bullying. Voltando a 2017, quando notei o Sararah se alastrando, fiz um perfil e logo já fui mandando recado para mim mesmo, mas eu mesmo me delatei assim que o fiz. Afinal, delação também está na moda e pode render algum bônus. Surpreendentemente, recebi alguns recadinhos legais de terceiros sim. Mas nude que é bom ninguém mandou.
Crônica publicada no Jornal da Cidade, Poços de Caldas, em 26/08/2017.

Tuesday, August 22, 2017

Futuro Negro

Na escola, nas séries iniciais, odiava quando as professoras nos ensinavam a identificar a estrutura literária de um texto. Criança ainda, me insurgia contra a noção de que o clímax textual deveria ser sempre um pouco antes do fim. Em vários escritos isto não tinha sentido; às vezes, note-se, sequer estava presente este suposto orgasmo literário. Ou, como isto é subjetivo, para mim o clímax era noutro ponto. Adulto, vejo como estava certo.
Entretanto, esta recordação retornou avassaladora quando estava quase terminando a leitura de Ganga-Zumba, livro épico de João Felício dos Santos, dias atrás. Ao decorrer das peripécias, a despeito da trama se passar no Nordeste e narrar as aventuras e desventuras de Zumbi dos Palmares, Dandara e inúmeros negros que não se submeteram à escravidão, foi solidificando-se em mim a percepção de que a narrativa mimetizava as epopeias clássicas gregas. Nunca as li, mas curiosamente as conheço desde criança, devido às adaptações cinematográficas que assisti nos anos oitenta, na Sessão da Tarde. Perto do fim do livro, reconheci uma referência explícita às odisseias gregas numa frase de um lirismo paradoxalmente rude. Num instante de enlevo, emiti um “Nossa!” inaudível, que só reconheci porque eu mesmo articulei a interjeição. Fiquei boquiaberto. Literalmente boquiaberto, o que jamais acontece, que eu saiba.
Na página seguinte está a conclusão da história. Plácida, muito plácida. Tenho que reconhecer como minhas professoras do Instituto Educacional São João da Escócia eram boas. Não sou muito chegado no conceito de politicamente correto, mas lembro vagamente até de explicações em sala de aula sobre como o adjetivo “negro” não era racista e lembro-me que estranhava a conotação negativa que davam à palavra. Incomodava-me, sobremaneira, o verbo “judiar”, que desde tenra idade me parecia preconceituoso com judeus – e é mesmo, como vim a descobrir. Jamais o uso. Mas o uso corriqueiro das palavras negro e negra como adjetivos pejorativos é estigmatizador também, a despeito das justificativas dadas em sala de aula. Não deveria ser. No futuro, ou seja, agora, a leitura do romance histórico sobre o que se passou no Quilombo dos Palmares iluminou a minha existência.

Esta crônica é uma reelaboração da minha micrônica 1927, reescrita e ampliada. O título é uma homenagem à banda brasileira de pós punk experimental Black Future. Foi publicada originalmente no Jornal da Cidade (Poços de Caldas) em 19 de agosto de 2017.
Tirei com celular a foto da edição que li do Ganga-Zumba, publicada em 1985 (o livro foi publicado primeiramente nos anos sessenta).