Tuesday, December 26, 2017

Papai Noel, Velho Batuta

Quando criança, acreditava em Papai Noel mesmo e continuei acreditando por muito tempo, até os onze anos. Isto é uma hora extra da ingenuidade, duvido que outras crianças dos anos oitenta continuassem acreditando até uma idade tão avançada para a puerilidade, quanto mais as de agora, com mais acesso ainda à informação. Foi quando ganhamos bicicletas. Eu, meu irmão Eurico e minha irmã Fernanda não conseguíamos dormir cedo, ansiosos para ganharmos nossas magrelas. Minha mãe até que tentou nos distrair, mas não teve jeito, meu pai vacilou na hora de sair e sacamos que foi ele quem trouxe as bikes. A Nanda não sei, mas eu e o Eurico percebemos na hora. Papai Noel morto à parte, o importante é que papai é quem estava vivo e no dia seguinte já estávamos de rolê sobre duas rodas.
Aquele ano de 1985, coincidentemente, foi o ano de lançamento de Mais Podres Do Que Nunca, o primeiro disco do Garotos Podres, punks do ABC paulista. O vinil tem o clássico Papai Noel Velho Batuta, cuja letra logo me chamou a atenção, dois anos depois, ao, milagrosamente, ouvi-la no rádio: “Papai Noel/O velho batuta/Rejeita os miseráveis/Eu quero matá-lo/Aquele porco capitalista/Presenteia os ricos/Cospe nos pobres!”. Se Papai Noel não existe, então tudo é permitido. Na verdade, a original tinha um palavrão no título, mas a censura, na redemocratização ainda capengando, os obrigou a mudar o título e a letra. A real é que, por mais que goste de palavrões, prefiro versão com “batuta”, soa muito mais irônico. Virou um hino natalino, gosto de cantá-la em natais em família e na web é possível até encontrá-la numa versão com coral, com o devido palavrão no lugar. Toma essa, censores.
Talvez o melhor natal de todos tenha sido justo por aí, 1987 ou 1988. Meu pai tinha uma picape, salvo engano uma Fiorino, e como vivíamos uma era de irresponsabilidades no trânsito, não só toleradas, como incentivadas, ele levou eu, meus irmãos e nossos amigos para darmos uma volta na caçamba, no centro da cidade. Uma cena bastante comum, à época. Mas à noite, nas ruas centrais, foi inédito para nós. O encantamento das luzes e enfeites vistos com vento na cara é uma sensação de liberdade que permanece comigo. Melhor presente.
Capa e contracapa de Mais Podres do Que Nunca (1985), primeiro LP dos Garotos Podres.


Esta crônica natalina foi publicada no Jornal da Cidade (Poços de Caldas/MG) em 23 de dezembro de 2017. Outro texto inédito, escrito especialmente para o jornal, republico-o aqui levemente revisado - corrigi apenas um erro à luz da nova ortografia e alterei uma frase do último parágrafo apenas para que ficasse mais clara, não mudando em nada o seu sentido.

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