Tuesday, December 12, 2017

Talking Heads, uma crônica imersiva

Uma das lembranças mais antigas e marcantes que tenho é de quando a TV Tupi saiu do ar. Foi tão estranho... Há pouco tempo me dei conta de que foi a primeira morte que testemunhei. Pesquisando depois, já adulto, vi que isso foi em meados de 1980. Tinha cinco anos, portanto. Um dia liguei a televisão e o canal havia desaparecido – época da ditadura, agora isso me parece sinistro. Houve um aviso do fim no dia anterior, tenho uma vaga lembrança; não sei se isso é uma memória falsa que criei.
Há outro fato esquisito: li que a Tupi tinha novelas. Não me lembro bem disso. A Globo tinha e que odiei o fato dela ser a única outra estação de televisão que pegava bem, porque à noite gostava de ver faroestes e desenhos. Recordo-me até que pegava o sinal da Globo de São Paulo, mas logo apenas o noticiário de Minas passava aqui, isso antes da EPTV. Parece que me lembro do Chaparral na Tupi, mas talvez tenha sido apenas na Record, nos anos oitenta. Bonanza passava na Tupi, disso tenho certeza. Não me lembro das tramas, mas me recordo de algo muito melhor.
Há até fotos datadas de 1979. Eu andava com chapéu de cowboy e armas de brinquedo quando era criancinha. Meu irmão Eurico também. Na verdade tenho lembranças até mais antigas, de quando tinha uns quatro anos, de gostar de filmes e seriados de faroeste. E tinha um hábito mais solitário, não brincava só com meu irmão de mocinho e bandido. Eu gostava de participar dos faroestes. Fazia assim: postava-me ao lado da TV. Prestava atenção ao que os personagens diziam e participava dos diálogos. Como tinha muito plano americano, agia como se estivessem falando comigo também. Se alguém dizia “A emboscada será no desfiladeiro” eu tentava responder com algo que fizesse sentido, como “Isso mesmo amigo, vamos pelo outro caminho!”. Como ficava feliz quando o diálogo calhava com o que eu dizia! Muitas vezes dava certo.
Só havia um senão: geralmente os personagens para os lados dos quais me bandeava morriam ou se ferravam. Então começava tudo de novo, no meio do filme ou episódio, como se nada houvesse acontecido. Fazer o quê? Mas eu estava sempre presente na trama. Acho que fui um pioneiro da realidade virtual, isso sim foi imersão.
David Byrne, vocalista do Talking Heads, em foto de 2009. Não há créditos para o fotógrafo, peguei-a via licença Creative Commons página Alterna 2, no Flickr. Link para a foto original: https://www.flickr.com/photos/alterna2/3472249824/

"Talking Heads, uma crônica imersiva" foi publicada no Jornal da Cidade (Poços de Caldas/MG) em nove de dezembro de 2017. É uma versão retrabalhada de uma crônica de mesmo nome publicada aqui no blog em 26 de janeiro de 2017. O nome, obviamente, é uma homenagem à clássica banda new wave.

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