Friday, December 29, 2017

Prazeres Desconhecidos

Foi num vídeo do Grito da Rua. Era um programa sobre skate, dos anos oitenta. Às vezes amigos iam para São Paulo e o gravavam da TV Gazeta. Mas também havia um home vídeo nas locadoras. Fiquei tão fascinado com as reportagens e trilha sonora que o loquei novamente e com um gravador registrei uma fitinha com o som ambiente vindo da caixa da TV. Isso foi em 1988 ou mais provavelmente em 1989 - muito mais provavelmente em 1989. Foi meu primeiro contato com Pixies, Sex Pistols, Meteors, T.S.O.L. e com o rap nacional, pois também havia MC Jack e Código 13. 
O Sex Pistols já era uma das minhas bandas favoritas, mas só conhecia de ler a respeito, não de ouvir. O legal é que a música deles, que servia de trilha para uma reportagem sobre skate numa piscina de uma casa abandonada - mas sem as paredes curvas das piscinas gringas -, era C'Mon Everybody, versão divertida de uma canção, também ótima, do Eddie Cochran. Essa cover era cantada pelo guitarrista Steve Jones e quando finalmente ouvi o Never Mind the Bollocks, pouco depois, o impacto fulminante dele estava integralmente preservado, porque a sonoridade era outra, muito mais agressiva.
A primeira música, após a abertura com Ceremony, era Disorder, do Joy Division. Minha música favorita do New Order era Ceremony, ou seja, eu já era fã do Joy Division um ano ou dois antes, sem saber. A cena era impactante: uma reportagem sobre o skate de rua no centro de Sampa. Um dos skatistas, Neguinho, subia em transições de esculturas modernas, que inclusive tinham uma parte móvel. Ao fundo, alguém passava fazendo um g-turn. Ao fim, desciam um calçadão lotado de passantes que pareciam até um pouco indiferentes àquela algazarra, como se fosse algo usual, enquanto Ian Curtis cantava solenemente: "I've got the spirit, but I´m losing the feeling". Toda a música era ficção científica, convidando para um futuro desafiador, com ruas hostis, no qual é preciso ser safo e estar preparado. E foi isso mesmo que aconteceu, nos 28 anos seguintes.
Capa feita por Peter Saville para o disco Unknown Pleasures, do Joy Division (1979).
Esta é minha última crônica do ano. É uma versão ampliada da minha Micrônica 1979, que publiquei no Instagram em oito de dezembro de 2017, cujo título alude ao ano de lançamento de Unknown Pleasures, o primeiro LP do Joy Division. Como algumas das minhas micrônicas escritas à mão são relativamente extensas, não se restringindo mais ao limite de caracteres do twitter, pensei em aproveitá-las como crônicas mesmo, expandindo-as.

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