Friday, April 27, 2007

Puxando o tapete

Imprecações à parte, ainda se pode conviver numa boa com o novato folgado. Acha que caiu, ou caiu de fato, nas graças do Mullet. Faz sentido, pois é fácil impressioná-lo com português castiço ou jogando com conceitos recém-inventados/deturpados. O garoto é um alpinista social que tenta se impor pelo volume da voz e pela inconveniência, mas já tomou tantas invertidas dos cobras véias que deu uma murchada. O meu saco ele não encheu nem alisou. Ser praticamente ignorado por um playboy ignorante em um ambiente com dezenas de pessoas é uma bênção.

Everything´s ok.

Now I´m really pissed off. “The enemy works in the corner of my eye”, the song plays again and again in my head. But I have a advantage: he doesn´t know what I´m writing. He barely read portuguese. He´s looking at me, at my monitor, right now, but he can´t do no harm anymore. So I can practice my english while I pretend to translate commercial letters. Instead, I write big e’s to friends who lives in other countries, and that´s it.

O pior inimigo

O sono, a desmotivação, o cansaço, o colega, a indisposição, o cachorro do vizinho, o chefe, a comida gordurosa, a perda de tempo, a gostosa que não dá bola, a auto-estima, a visão do dia lindo lá fora, a falta de sentido nas tarefas, a música ruim no rádio, a TV, a manutenção do carro, a tela do computador desejosa de ser preenchida com merda, a conversa fiada, o lugar-comum, o babaca do qual não seu pode fugir? Eu?

Queria falar a verdade o tempo todo

Depois de muito envelhecimento precoce devido à inércia somada ao sedentarismo que mesmo a mais frenética atividade na frente do maldito computador provocaria, é só pensar friamente para começar a melhorar. Basta mentir. Preencher o controle de horas com informações falsas. Ninguém nota que não se está fazendo nada. Impressionante. Quando não dá para ficar conversando em qualquer um dos cinco comunicadores instantâneos instalados, por ter alguém olhando, é só escrever longos e-mails no meio dos relatórios mais enfadonhos. Pode-se retomar contato com quem não se conversa há anos e fica por isso mesmo.

Punição

Imagens de culpa que nunca fizeram parte do meu imaginário, mesmo tendo uma criação cristã, andam me perseguindo. O que fiz para ativar isso? Parecem hologramas, muito tênues, é fato, se materializam de repente e evaporam mais rapidamente ainda. Deve ser sugestão subliminar da gritaria evangélica próxima de casa.

Tuesday, April 17, 2007

Banana de dinamite

O pessoal do escritório vai viajar junto. Queria tanto ir à praia, mas ela está cheia de bosta e de gente que me odeia. As velhas de classe média alta estão assistindo TV agora de manhã, reclamando da vida e anotando receitas. Depois elas vão à academia, após tomar uma vitamina reforçada, e buzinarão no ouvido dos pobres funcionários que elas não têm tempo para nada.

Friday, April 13, 2007

Introdução

Não é nada que faça sentido. Ainda que qualquer um possa compreender. Dolorosamente. Portanto, sua lógica desvanece ao romper a barreira do Id. Resta um pensamento disforme. Descarga elétrica etérea, ainda cognoscível, porém massivamente escorraçada, soterrada e finalmente obliterada. Raros são os que fazem submergir tal incômodo. Há quem tente faturar com isso, e não se pode acusá-los de deturparem a idéia, porque não se trata de algo palpável o suficiente para ser tomado como um conceito bem definido. Corrói o mais insensível dos trogloditas todos os dias, contudo. Quem faz desenhos animados diverte-se tanto quanto as crianças que os assistem e ainda sente-se realizado? Um loop dos momentos felizes, drone incidental de tudo que queremos ouvir em moto perpétuo para preencher toda morte diária fora dos instantes que valem à pena, os quais deveriam ser acrescentados à programação seletiva do autismo consciente a que aspiramos.

Thursday, April 12, 2007

Massa de Manobra

Calor na cozinha e pouca compreensão. Basta. Repentinamente contorceu-se violentamente. Tacou a panela no chão. O molho espalhado pelas paredes, chão e em tudo quanto que é eletrodoméstico evocava uma cena de assassinato em massa.

Ela pôs veneno no tempero do macarrão, para dar cabo dos seus tormentos, ou seja, marido e filhos. Contrita, flagelou-se com queimaduras de primeiro e segundo graus. Não podendo explicar-se, parentes e vizinhos enxergaram possessão no ato; possessa, ela antes se convenceu disso. Serena, do hospital seguiu direto ao culto, dando a mão aos filhos e o dízimo para reconfortar-se.

Thursday, April 05, 2007

Saquei tudo

Filhos justificam tudo. É por causa deles que fulano deixou de fazer algo, que o sujeito esqueceu do seu sonho, que a garota justifica sua submissão, que o tiozinho acomodado critica quem quer mudar qualquer mínima condição que seja alegando que o jovemzinho não tem preocupações de fato. Por que pôr uma criança neste mundo cruel? Esta velha pergunta clichê é geralmente respondida por quem a faz (seja a questão, seja a criança), mas apenas nos recônditos da inconsciência. É para não tentar nada. Para justificar toda covardia e as agressões psicológicas a quem tentar sustentar um princípio ou arriscar ficar sem o prato de comida por contrariar o chefe, anunciante, assessor, cão de guarda moral, titular do departamento financeiro/comercial, pretenso superior ou qualquer tiranete contemporâneo. E quanto aos pirralhos, pelos quais se urdiram tantos sacrifícios, que aturem as cobranças (inclusive as em espécie) depois.

Wednesday, April 04, 2007

Típico

As idéias de presunção da felicidade que sugerem a mentira de improviso e os condicionamentos que forçam uma hospitalidade constrita digladiam-se odiosamente. Um hipotético meteorologista cerebral estaria encolhido no refúgio mais fétido para não encarar o colosso de tempestades elétricas que calcina a fronteira entre os hemisférios nestas ocasiões. Uma carona e um convite feito apenas por educação resultaram na súbita aparição. É como se houvesse convidado um vampiro para entrar em casa, e com ele assim instalado não poderia reclamar, pois dei anuência ao mal. Simpático, sorridente, cobra a cerveja que prometi. O paco de garrafas escorregadias desce sobre a pequena mesa no meio da sala milagrosamente sem nenhum pouso forçado. Justo quando a bonança havia começado. Quer dar argumento para uma mulher adora sustentar que o casamento está desgastado? Esqueça a data do dito cujo. E não interessa, nem fodendo, sua defesa de que está trabalhando demais justamente para dar base ao casamento. Quase ao fim do impossível processo de reversão deste tipo de acusação que qualquer homem consegue efetuar quase todo dia, o Ogro me aparece. Fico sem reação. A mulher, um minuto antes de recuperar o pleno bom humor, já quer escorraçá-lo com o olhar, mas esse tipo de sutileza não funciona com alguém plano. O pior: ele se senta, não sei o que dizer, ele não diz nada após elogiar a arrumação da casa. Convido para conhecer o quintal, como se isso fosse interessante, mas ele está totalmente a fim. Mostro o quarto das crianças, ele se detém ainda mais por lá, perguntando detalhes, contando que gostaria de ter filhos, como se estivesse interessado. Ao voltar para a sala, pergunta sobre o sistema democrático da Grécia Clássica, geopolítica, aviões e outros assuntos sobre os quais havíamos conversado no serviço. Demora para sumir com uns livros emprestados debaixo do braço, feliz. No desespero de tentar escapar daquela situação, cheguei a convidá-lo para passear conosco no parque. Ele declinou do convite, disse que logo ia embora, mas ainda ficou uma hora lá, fazendo perguntas. Tava até legal dar uma de professor, porém sentia cada punhalada que os olhos dela desferiam nas minhas costas. Depois da hostilidade inicial, ela foi bacana com o Ogro. Esperava que ela fosse comigo depois, mas sabia que era auto-engano. Bastou ela certificar que ele já ia longe para estressar ao máximo. Até explicar que sim, tinha convidado ele para aparecer, mas não, não naquele dia especial, todo o tempo de comemorações se foi. A noite ascendeu com uma aura de mal-estar.

Tuesday, April 03, 2007

Olvido

Esquecemos. A galáxia de pensamentos que não se concretizarão a respeito de assuntos mesquinhos que não merecem nenhuma reflexão ou tempo despendido exige isso. E as lembranças que realmente importam, parte delas se esvai sem reclamar o seu devido lugar. Basta uma hora de rotina para a extinção completa de uma inspiração genial, ou sobre a qual se tem a vaga intuição de que era algo brilhante. Se a idéia não é imediatamente registrada em um suporte qualquer, um pedaço de papel higiênico que seja, a sensação que fica do mote perdido deve assemelhar-se a de um amputado que sofre coceiras intoleráveis no membro inexistente. Restrinjo-me, no entanto, ao campo das idéias. Há paralelos piores. Como, por exemplo, após meses de desgaste profissional, esquecer do aniversário de casamento.

Reminiscência materializada

De repente ele aparece na porta de casa. Um pesadelo que remete a adolescência, quando odiava que “amigos” aparecessem lá só para encher o saco. Não tinha a manha de expulsá-los de casa, ninguém faria isso, eu não sabia fazer, depois eu soube como dar um jeito nisso, sempre soube, mas esqueci. Não consigo mais. Fudeu e o tempo livre acabou.

Conversa circunstancial

Apesar de ser tosco, o Ogro é outro fita que, com a passagem do tempo, torna-se mais palatável. Apesar dos gestos e troças estúpidas, ele parece legitimamente interessado em se aproximar das suas vítimas para que elas não fiquem tão intimidadas. Foda é o tamanho, a voz de death metal mesmo ao sussurrar e a cara de poucos amigos. É como se ele quisesse dizer “Podem revidar!”, mas quase ninguém fala nada, pois o vozeirão é o avesso dessa mensagem. Como nunca dei moral e já apelei no que me pareceu a primeira ínfima tentativa de forçar um poder psicológico do tipo “cheguei antes aqui e você que é novo baixa a bola”, ele nem brinca comigo. Ficou me tratando friamente perto dos outros, mas paradoxalmente como deve ter sacado que eu não dava a mínima pra qualquer tipo de c, passou a querer puxar conversa sobre assuntos sérios. Mesmo fazendo cara que não estava entendendo, sempre prestava atenção em tudo que falava e ficava fazendo perguntas, aparentemente fascinado com assuntos batidos para qualquer estudante de ensino médio, mas que eram novidades assombrosas para ele. Depois de um tempo, apesar de não ser umas prosas excelentes, porque na verdade eram questionários, a curiosidade dele foi se aguçando e as conversas com ele permitiam falar de assuntos filosóficos e religiosos sobre os quais provavelmente nunca falaria no trampo. E tinha um bom ouvinte para isso.