Sunday, August 30, 2009

Diário de um condenado

Estou com uma D.O.R.T. (Doença Ocupacional Relacionada ao Trabalho) , ou seja, lesão por esforço repetitivo nos dois antebraços. Não dá para ficar escrevendo muito. Vou parar com este blog e só o retomarei quando o melhorar de vez. Poucos notarão, se é que alguém notará. Então o twitter é o ideal para mim agora, estou escrevendo nanocontos (ou microcontos) diários. Minha idéia é que estes microcontos componham um painel ou diário, um pequeno romance cujos pedacinhos vão sendo escritos diariamente. Não era minha idéia no começo, mas se alguém ler na sequência vai perceber quando começa a história. Bem, aqui está: twitter.com/danielsouzaluz


Sunday, August 23, 2009

Enfim o fim

Em uma comunidade de extrema-direita, deram conta do sumiço inexplicável do velho, que tinha até um perfil no orkut, quem diria. Mas eles especulavam se não teriam sido membros do governo que teriam dado cabo dele. Velhos gagás. Queriam sair por aí batendo nesses caras em comícios, tal qual o velho clamava em seu perfil no orkut. Mas não relacionavam seu desaparecimento ao aparecimento da ossada. Isso foi o fim de tudo. Quando mostrei isso ao meu irmão, ele perdeu todas as esperanças. As tentativas governamentais de localização das ossadas, com ajuda do exército, eram patéticas, claro. Toda a investigação, tudo que ele havia investido, em nada sossegou seu desejo de enterrar meu pai em solo apropriado, católico. Para mim, no entanto, é como se o tivesse enterrado no dia em que acabamos com o velho. Está bom assim.

Sunday, August 16, 2009

Enfim parte 20

Fizemos o que tínhamos que fazer. No entanto, sabíamos que isso traria demasiada atenção. As manchetes nos jornais a respeito da primeira ossada identificada há muitos anos ressaltavam o seu aparecimento misterioso. O velho mendaz talvez tivesse se confundido, pensando bem. Mas se quis nos sacanear, impondo-nos uma vitória além-túmulo, ao menos fez a alegria de uma família que há muito queria enterrar o seu morto. Eu compartilhava da alegria deles. Meu irmão não. Cabisbaixo, dizia-me pelos cantos que temia que alguém fizesse a conexão do desaparecimento do velho e a súbita aparição da ossada. Ao menos na imprensa escrita não foi feita nenhuma menção. Nós havíamos escolhido bem, eu lhe repetia, mas não havia necessidade de reforçar isso. Ele mesmo tinha me convencido de que seria um empreendimento seguro ao fazer a investigação dele: o velho sabia muito, estava só, isolado, ninguém se importava com ele.
Mas resolvi fazer uma busca na internet. Não achei nada. Aí procurei no sistema de busca do orkut. Alguém tinha se dado conta do sumiço dele.
Continua.

Sunday, August 09, 2009

Enfim parte 19

Meses após

Não chegariam mesmo a nós. Feito o teste de DNA, descobrimos que aquele esqueleto não era de papai. O velho canalha tinha o poder de ser traiçoeiro mesmo além-túmulo. Jogamos a ossada no quintal do presidente da comissão de desaparecidos, na capital. No bilhete, expliquei que provavelmente era de um guerrilheiro. Era mesmo. Estava estampado na manchete dos jornais, duas semanas depois. Um trotskista sem ligação com o grupo de meu pai.

Continua...


Sunday, August 02, 2009

Enfim parte 18

Depois de um bom tempo revolvendo a terra, Júnior o acha. Ele vai guardando os ossos dentro de um saco preto. Com suas luvas amarelas, mira o crânio por uns instantes antes de guardá-lo com um certo carinho, por mais estranho que isto possa ser. Observo tudo sentado contra a parede, com a tremedeira das mãos já controlada. As pernas, entretanto, permanecem trêmulas ao me levantar para ajudá-lo a pôr o corpo do velho na cova reaberta. O rosto está quase irreconhecível, amassado, o nariz torto. Enquanto ele começa a jogar a terra de volta, diz calmamente:

- Não se preocupe, o silenciador funcionou bem. Ninguém vai nos pegar. Moramos a milhares de quilômetros da família dele, pegamos ele sozinho na praia, estamos a centenas de quilômetros de lá. Não chegariam a nós, mesmo que achem o corpo.

Continua...