Friday, November 17, 2017

Dead Kennedy

O vinil branco. O famoso vinil branco do Fresh Fruit for Rotting Vegetables, que lembra meus primeiros discos de infância; embora meus primeiros compactos com histórias infantis fossem vermelhos e verdes, o encantador disco com as histórias d’O Leão Cantor, o Rouxinol do Imperador e Chapéuzinho Vermelho também é branco – ainda o tenho. Demorou um tanto bom para consegui-lo. Usado e sem o famoso encarte enorme, que nunca vi pessoalmente.
A primeira vez que li sobre o Dead Kennedys foi, obviamente, em revistas de skate, no fim dos anos oitenta. Claro que gostei do nome. É uma clássica banda da Califórnia, uma das poucas das que fez a transição do punk rock para o hardcore mais veloz, mas mantendo características distintas, com influências de surf music, rockabilly e psicodelismo. Faziam até versão dos Beatles e Elvis, uma anátema para época. Fui ouvir só em 1989 ou 1990, quando o Kid Vinil passou um trecho de um show deles na TV Cultura. Foi mesmerizante, pela primeira vez estava vendo como era um show de hardcore, sem separação entre banda e público; parecia – e é – algo mágico, um estado de graça, de congraçamento, ainda que sem conteúdo religioso. Eu me lembro até dos gestos teatrais do vocalista Jello Biafra no vídeo deste show – revendo-o, já em meados dos anos noventa, notei que a música que havia sido exibida era Bleed for Me, denunciando os casos de tortura das ditaduras militares no Brasil, Paraguai e Argentina.
Salvo engano, neste mesmo dia o Kid Vinil passou Holiday in Cambodia, que depois foi exibida novamente, sozinha. Aí queria porque queria o primeiro disco, o já mencionando Fresh Fruit... Só fui conseguir em 1991, usado. Comprei de um amigo, o Leandro Tramonte, hoje um engenheiro bastante conhecido em Poços de Caldas, que na verdade o vendeu para ajudar um primo, o dono original, que meteu a faca no preço. O álbum era de uma galera em São Paulo, tinha o nome de todos os que fizeram a vaquinha para ter o vinil e mais um monte de inscrições a canetinha na capa e verso, como “Piração Total” e “Punk’s not Dead”. Tudo bem, o importante é que o vinil não tinha risco e provavelmente os donos originais jamais recuperariam o disco, pois o primo do Leandro, cujo nome nunca me preocupei em saber, havia se mudado para uma cidadezinha do daqui do interior de Minas Gerais, a vizinha Campestre. Detalhe: na contracapa havia também a inscrição “Carecas do Subúrbio”. Eu a risquei e escrevi embaixo “Nazi Punks Fuck Off!”, mesmo que ainda não tendo ouvido a música à época. Mas sabia do título e já havia pegado o espírito da banda.
O Dead Kennedys acabou em 1986, poucos antes do lançamento tardio do disco no Brasil e da vinda deles para o país. Estavam lutando contra Tipper Gore, esposa de Al Gore, e um bando de políticos que queriam censurar discos, devido ao encarte do álbum Frankenchrist, que tinha um pôster com um quadro do artista suíço H.R. Giger, cujo título era Penis Landscape. Foram acusados de distribuir material pornográfico para menores, num esquema agora repetido pelo nada criativo MBL no Brasil. Especialistas em artes testemunharam em favor da banda e o promotor do caso em Los Angeles, Michael Guarino, posteriormente pediu desculpas pela tentativa de censura. A ver se no Brasil o Ministério Público e o poder judiciário terão o mesmo bom senso em casos análogos.
Os integrantes acabaram brigando depois e a banda voltou no começo do século. Acusavam o vocalista, Jello Biafra, de não ter composto as músicas, como ele alegava, apenas as letras. Por mais que sejam grandes músicos, habilidosos, e mereçam mais créditos, para mim hoje está claro que Jello era o principal compositor mesmo. Os Kennedys remanescentes nunca mais fizeram uma música, Jello faz uma banda atrás da outra e compõe para todas.
Meu velho álbum do DKs. Tirei a foto com celular em 17 de novembro de 2017.
Em 2009 ele lançou um disco com um novo grupo que fazia excursões, o Guantánamo School of Medicine, e finalmente veio para uma tour ao Brasil no ano seguinte, embora já tivesse feito participação especial em shows com Sepultura, Mano Negra e Ratos de Porão aqui, em 1992, no lançamento do livro Barulho, de André Barcinski. Não bastasse este show de 2010, o Jello Biafra and Guantanamo School of Medicine ainda veio de novo pra cá em 2012 e fui ao show novamente. Este me surpreendeu mais ainda. Já velhinho, não esperava que ele tocasse Nazi Punks Fuck Off, uma música muito veloz, a mais rápida do Dead Kennedys, mas fui atropelado por ela em meio a apresentação. Não bastasse isto, parece mentira, mas ainda fiz um stage dive (pulei do palco), fui levado nos braços do público para trás e trago de volta para frente do palco. Meus amigos estavam no bar, não conhecia ninguém que me carregou. Foi lindo.

Esta crônica foi publicada no Jornal da Cidade (Poços de Caldas/MG) em 11 de novembro de 2017. Era para ter saído uma semana antes, mas esqueci de salvar o arquivo e o enviei vazio ao editor, João Gabriel Pinheiro Chagas. É uma versão ampliada de "Dead Kennedys, uma crônica", publicada aqui no blog em 26 de setembro de 2016. O título foi alterado para Dead Kennedy pelo João Gabriel e gostei, esta tem um tom (ainda) mais pessoal. Esta versão difere da publicada no jornal por duas correções no último parágrafo: acrescentei que o Jello Biafra havia tocado também com o Mano Negra (antiga banda de Manu Chao) no Brasil em 1992 e alterei o trecho "não conhecia ninguém que fez isso" para "não conhecia ninguém que me carregou", para fins de mais clareza.

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