Monday, January 10, 2022

Zênite (resenha/making off)

Publiquei este artigo no Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG) em oito de janeiro de 2022. É um texto bem cabotino, misto de making off do meu segundo livro/plaquete e resenha. A Juliana Gandra, minha noiva, o revisou. 

Nos anos 1990 li uma entrevista do Paulo Ricardo, ex-vocalista do RPM, na qual ele acusava os jornalistas da revista Bizz, que também atuavam como críticos, de terem bandas e se elogiarem uns aos outros na publicação. Eles de fato tinham, mas peguei uma fase em que outros jornalistas as criticavam negativamente. Uma diatribe em particular, Ricardo dirigiu ao jornalista Alex Antunes, acusando-o de desonestidade intelectual ao inventar um pseudônimo para fazer uma crítica positiva da própria banda, o Akira S & As Garotas Que Erraram. Bem, admiro Antunes, o grupo dele também e acho que o expediente é até engraçado. É bem a cara dos Sex Pistols, “a grande trapaça do rock n’ roll”, e aquela turma parecia não compreender essas patuscadas como algo antiético. Porém, apesar de entender a subversão daquela geração, jamais faria isso. Serei cabotino mesmo: meu novo livro, Zênite, foi lançado dia 29 de dezembro. É um pequeno volume, como Milagre dos Pássaros, do Jorge Amado, mas ainda mais conciso, a exemplo do meu primeiro livro, Ontem Foi Um Sonho, de 2019. Quem resenharia uma obra dessas? Ora, ninguém, pois sou um ninguém e não um Amado. Então eu o farei, ora. E da forma mais crítica possível, embora esse texto seja mais uma reflexão sobre a concepção da obra. Trata-se de um conto escrito em meados de 2020, em total isolamento devido à pandemia e em homenagem a quem seria hoje minha noiva, Juliana Gandra, a pedido do fanzineiro bauruense Ricardo Botta, que retomaria seu fanzine Carniça. Botta é entusiasta do que se convencionou rotular de politicamente incorreto e isso, de certa forma, permeia o texto. Ou seja, não é uma característica minha. Escrito sem pejos, acaba tendo como defeito certa violência gratuita. O título original, inclusive, era Castração, Trepanação e Fellatio de Máscara Mortuária no Peep Show – frase que acabei inserindo num diálogo, ao reescrever e ampliar o texto para publicá-lo individualmente no livro, pois Botta desistiu de reeditar seu fanzine. Como o título era muito extenso, o que cabia perfeitamente num fanzine que tinha como propósito chocar, tive que reduzi-lo e o tirei de uma passagem que nuança um pouco a história e que lhe dá outro sentido, de certa forma. O uso da ultraviolência para criticar a violência do Estado, característica do livro Laranja Mecânica, de Anthony Burgess, e dos melhores filmes de Paul Verhoeven, é menos crítica e menos sutil aqui do que em Ontem Foi Um Sonho, mas continua presente. Influência benfazeja do filme Decoder, de 1984, uma distopia inaudita do cineasta Muscha, filmada na Alemanha Ocidental e estrelada por Christiane F. (sim, ela mesma), o pintor Bill Rice e o músico F.M. Einheit, do grupo industrial Einturzende Neubauten. Impactado ao terminar de assistir ao filme, indicado por uma amiga justo quando recebi o convite para fazer o texto, tive um sonho/pesadelo nada convencional que foi o ponto de partida da história. Decoder tem uma ponta do escritor beat William Burroughs e foi baseado na obra teórica dele sobre som ambiente e ruídos de fundo. Zênite indiretamente é um filhotinho de Burroughs, portanto. O filme também me reconectou com uma influência primordial que tive na adolescência e que me inspirou a escrever o primeiro livro, o quadrinhista italiano Stefano Tamburini. Burgess, Muscha, Burroughs e Tamburini operavam numa zona cinzenta da ficção científica que despreza as convenções do gênero para fazer sátiras políticas incisivas – talvez mais do que as dos autores originais de distopias, como Zamiatin, Orwell e Huxley. É a essa “tradição”, por assim dizer, que me filio, a qual também pertencem escritores como J.G. Ballard. Ou seja, dou murro em afiada ponta de faca, pois sou influenciado por autores que não estão em voga, e Zênite não foi concebido como uma leitura agradável. No final, há um aparente gancho para a história continuar, mas não é a minha intenção – é uma paródia de obras que fazem isso. Botta disse que eu deveria dar sequência à trama. Não brigaria com o público se houvesse grande demanda. Sou cético quanto a isso, no entanto.

Daniel Souza Luz é escritor, jornalista, professor e revisor




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