Monday, September 19, 2022

Literatura em pequena escala

Esta crônica foi publicada na página seis da edição 7840 do Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG) em 17 de setembro de 2022. O

Há literatura no Twitter? Há e muito. É muito curioso quando lembro do desprezo e descrença com que José Saramago referiu-se a respeito da famosa rede social. Na verdade, é mais uma rede de informação do que social, para quem sabe usar e tem paciência em entendê-la. Saramago não se conformava que as pessoas se expressassem em apenas 140 caracteres, que era o limite de toques daquela rede então (hoje é o dobro). Para ele, depois o que viria seriam grunhidos. Eu não era tão pessimista quanto o mal-humorado autor português, mas também fiquei incrédulo quanto ao potencial da plataforma há doze anos. Resolvi entrar e realmente usá-la quando meu amigo João Fernando Baldan começou a publicar nanocontos lá. Gostei tanto que fiz isso por anos. Contos minúsculos, com uma frase ou duas, também conhecidos como minicontos, surgiram em meados do século passado, com Ernest Hemingway e Augusto Monterosso. Eu já gostava do formato e o Twitter é perfeito para isso. Foi feito até um livro só com aforismos, minicontos, pensamentos e poesias escritos no Twitter: Fabrício Carpinejar, que mencionei na crônica da semana passada, foi esperto e já em 2009 lançou um livro com seus tuítes primevos. É uma pena que foi justo que se tornou um escritor irregular. Concordo com o juízo dele de que banalidades têm que ser escritas e, também são, ou podem ser, literatura, afinal segui pelo mesmo caminho – ao menos naquela rede de microblogs. O problema é que Carpinejar era um bom poeta que, convertido em figura midiática, derrapa em generalizações e num pieguismo que depois se tornaria mais constante. Feita esta observação, a qual lamento, pois ainda o admiro, o livro também coleta sacadas impagáveis. Vale a pena segui-lo no Tuinto (quem é tuiteiro se permite a usar a expressão), apesar de alguns pesares, como o faço desde aquela época. E não há nada de errado em se tornar uma espécie de celebridade literária, ressalte-se, mas também é fato que, como diz meu amigo João Antônio Sampaio Chaves, ele é um “escritor de programa da Fátima Bernardes”. Mesmo caso daquele Bráulio Bessa, que é um poeta popular interessante, mas também tem o mesmo perfil de ser admirado por cultuadores de subcelebridades, tipos que compram seus livros e sequer os abrem. Bessa também está no Twitter, aliás. Hoje, autores em geral usam mais o Twitter para publicar links dos seus textos do que minicontos ou haikais. É o caso de um gênio como Alejandro Jodorowsky, o nonagenário cineasta e escritor chileno. É uma pena. Eu mesmo joguei a toalha e não produzo mais nada inédito por lá. Por outro lado, quem produz aforismos mesmerizantes quase diariamente naquela rede é Penny Rimbaud, o octogenário ex-baterista do pioneiro grupo anarcopunk Crass. Esse sim eu recomendo, sem reservas. E há muitos outros mais, mas em homenagem ao espírito da concisão, esta crônica será mais curta do que meu habitual e encerro por aqui.

Daniel Souza Luz é jornalista, professor, escritor e revisor


Esta era a foto de fundo do meu perfil no Twitter há uns dez anos. 


2 comments:

Jornalismo Cidadão Digital said...

Nem uso Twitter mais... Acho que tenho uma postagem por ano... rsrs Mas quando usava gostava de acompanhar suas micrônicas.

Daniel Souza Luz said...

Muito obrigado, Fabinho!