Esta crônica foi publicada na página oito da edição 7835 do Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG) em 10 de setembro de 2022, véspera do final da edição presencial da Flipoços em 2022. Eu a escrevi no dia 9 de setembro, coincidentemente 194 anos após o nascimento de Tolstói. Em relação à publicação no jornal, eliminei alguns pronomes para evitar repetições e troquei uma palavra de lugar ao revisar o texto; não é nada que altere o sentido.
Neste final de semana ainda está rolando a Feira do Livro de
Poços de Caldas, a Flipoços, que teve início há uma semana. É um bom mote para
relembrar uma história engraçada. Posso jactar-me de ter um livro do Tolstói
autografado. O detalhe é que foi, óbvio, de um jeito bem torto. Nos idos de
2009 eu iria numa palestra na Flipoços e era daquelas cujo ingresso se dava
mediante a doação de um livro. Não me recordo mais qual era, mas a
circunstância é inesquecível. Queria muito ir, não tinha nada em mãos para
doar, então escolhi, com dor no coração, qual dos exemplares da minha
biblioteca iria sacrificar. Optei por uma edição de bolso de A Morte de Ivan Ilitch,
clássico do Leon Tolstói, o genial e contraditório escritor russo – um conde
anarquista e cristão. É, de longe, um dos melhores livros que li na vida, um
marco da história da literatura. Li no fim da década de 1990 e decidi passar
pra frente o livrinho pensando em comprar depois uma edição em formato regular,
com fortuna crítica, prefácios e posfácios. Aí aproveitaria para reler. Então
bora lá. Ao chegar no Palace Casino, onde a feira estava ocorrendo, encontrei
minha amiga Nany Dantas, que hoje mora no Paraná, e engatamos um bate-papo. Haveria,
no mesmo dia e horário da palestra da qual esqueci, outra do poeta gaúcho
Fabrício Carpinejar. Eu sabia quem ele era de nome, gostava das (poucas)
poesias dele que li, mas não fazia a menor ideia de como ele era. Nem a Nany,
que nunca tinha nem ouvido falar dele e é quem se recorda melhor do episódio.
Ela que me ajudou a recuperá-lo na memória: enquanto estávamos lá de bobeira
proseando, o Carpinejar estava passando por perto e nos abordou, convidando-nos
para assistir à palestra dele, chamada “Fabrício Carpinejar – Conselhos
Amorosos”. Tínhamos visto na programação e não nos interessamos nem um pouco
porque havíamos achado o nome muito tosco. Só que ele era muito simpático e nos
convenceu a ver. Ele escreveu umas frases no braço dela, não me recordo se deu
um autógrafo para ela (acho que sim), então olhou para o meu livro do Tolstoi e
disse: “eu te dou um autógrafo!” – o qual não havia pedido, o que foi hilário. Então
sapecou a assinatura dele no frontispício d’A Morte do Ivan Ilitch. Desisti
totalmente da palestra que assistiria e conservo esse livro até hoje. Valeu a
pena, a fala dele foi muito engraçada: falou da esposa, chorou, disse que era
um emo extemporâneo velho e careca, só faltou rolar no chão – ou rolou? É um
showman, sem dúvidas, e ele passou a brilhar na mídia. O que o torna alvo, é
claro. Três anos depois vi, na Bienal do Livro em São Paulo, o escritor Ricardo
Lísias atacá-lo pessoalmente, dizendo que o Carpinejar não tinha literatura e
por isso precisava pintar as unhas para aparecer, a ponto de o clima esquentar
tanto que tiveram que chamar a segurança para evitar uma altercação física –
habilmente contornada pelo também escritor Antonio Prata, que se sentou entre
eles. Obviamente Lísias está para lá de errado, embora a qualidade literária de
Carpinejar, infelizmente, tenha decaído mesmo ao longo dos anos. Mas isso é
para meu gosto e é outra história. Aliás, Lísias me bloqueou no Twitter quando
relembrei essa história – puta cara chato, ser literato ou bom escritor (dizem
que ele é, estou à pampa e não vou conferir) não dá a ninguém o direito a pisar
nas pessoas. Tolstói, que realmente era fodão, não o faria. E eu tenho um livro
dele autografado.
Daniel
Souza Luz é jornalista, escritor, professor e revisor
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