Monday, September 12, 2022

Um Tolstói autografado

Esta crônica foi publicada na página oito da edição 7835 do Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG) em 10 de setembro de 2022, véspera do final da edição presencial da Flipoços em 2022. Eu a escrevi no dia 9 de setembro, coincidentemente 194 anos após o nascimento de Tolstói. Em relação à publicação no jornal, eliminei alguns pronomes para evitar repetições e troquei uma palavra de lugar ao revisar o texto; não é nada que altere o sentido. 

Neste final de semana ainda está rolando a Feira do Livro de Poços de Caldas, a Flipoços, que teve início há uma semana. É um bom mote para relembrar uma história engraçada. Posso jactar-me de ter um livro do Tolstói autografado. O detalhe é que foi, óbvio, de um jeito bem torto. Nos idos de 2009 eu iria numa palestra na Flipoços e era daquelas cujo ingresso se dava mediante a doação de um livro. Não me recordo mais qual era, mas a circunstância é inesquecível. Queria muito ir, não tinha nada em mãos para doar, então escolhi, com dor no coração, qual dos exemplares da minha biblioteca iria sacrificar. Optei por uma edição de bolso de A Morte de Ivan Ilitch, clássico do Leon Tolstói, o genial e contraditório escritor russo – um conde anarquista e cristão. É, de longe, um dos melhores livros que li na vida, um marco da história da literatura. Li no fim da década de 1990 e decidi passar pra frente o livrinho pensando em comprar depois uma edição em formato regular, com fortuna crítica, prefácios e posfácios. Aí aproveitaria para reler. Então bora lá. Ao chegar no Palace Casino, onde a feira estava ocorrendo, encontrei minha amiga Nany Dantas, que hoje mora no Paraná, e engatamos um bate-papo. Haveria, no mesmo dia e horário da palestra da qual esqueci, outra do poeta gaúcho Fabrício Carpinejar. Eu sabia quem ele era de nome, gostava das (poucas) poesias dele que li, mas não fazia a menor ideia de como ele era. Nem a Nany, que nunca tinha nem ouvido falar dele e é quem se recorda melhor do episódio. Ela que me ajudou a recuperá-lo na memória: enquanto estávamos lá de bobeira proseando, o Carpinejar estava passando por perto e nos abordou, convidando-nos para assistir à palestra dele, chamada “Fabrício Carpinejar – Conselhos Amorosos”. Tínhamos visto na programação e não nos interessamos nem um pouco porque havíamos achado o nome muito tosco. Só que ele era muito simpático e nos convenceu a ver. Ele escreveu umas frases no braço dela, não me recordo se deu um autógrafo para ela (acho que sim), então olhou para o meu livro do Tolstoi e disse: “eu te dou um autógrafo!” – o qual não havia pedido, o que foi hilário. Então sapecou a assinatura dele no frontispício d’A Morte do Ivan Ilitch. Desisti totalmente da palestra que assistiria e conservo esse livro até hoje. Valeu a pena, a fala dele foi muito engraçada: falou da esposa, chorou, disse que era um emo extemporâneo velho e careca, só faltou rolar no chão – ou rolou? É um showman, sem dúvidas, e ele passou a brilhar na mídia. O que o torna alvo, é claro. Três anos depois vi, na Bienal do Livro em São Paulo, o escritor Ricardo Lísias atacá-lo pessoalmente, dizendo que o Carpinejar não tinha literatura e por isso precisava pintar as unhas para aparecer, a ponto de o clima esquentar tanto que tiveram que chamar a segurança para evitar uma altercação física – habilmente contornada pelo também escritor Antonio Prata, que se sentou entre eles. Obviamente Lísias está para lá de errado, embora a qualidade literária de Carpinejar, infelizmente, tenha decaído mesmo ao longo dos anos. Mas isso é para meu gosto e é outra história. Aliás, Lísias me bloqueou no Twitter quando relembrei essa história – puta cara chato, ser literato ou bom escritor (dizem que ele é, estou à pampa e não vou conferir) não dá a ninguém o direito a pisar nas pessoas. Tolstói, que realmente era fodão, não o faria. E eu tenho um livro dele autografado.

Daniel Souza Luz é jornalista, escritor, professor e revisor





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