Esta crônica foi publicada na página 7 da edição 7859 do Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG). Em relação à publicação original no jornal, revisei o texto e corrigi dois pequenos erros de digitação.
Como disse na crônica passada,
Fernando Sabino faria 99 anos nesta semana se não tivesse morrido um dia antes
do seu aniversário de 81 anos. Como é o autor que mais li, ainda que talvez eu
conheça mais profundamente a obra de outros escritores (Raduan Nassar, por
exemplo, escreveu pouquíssimos livros), e como as inúmeras histórias dele são
legais demais, não resisto à tentação de falar sobre ele mais uma vez. E
aproveitando o ensejo, abordar a dificuldade de se estabelecer um cânone
pessoal. Afinal, semana passada afirmei
que O Encontro Marcado é possivelmente é o melhor livro de Sabino. O fato, no
entanto, é que talvez A Faca de Dois Gumes seja sua obra-prima. O livro foi
concebido por Sabino como uma trilogia de novelas de mistério. A primeira
história, O Bom Ladrão, é uma espécie de releitura de Dom Casmurro, de Machado
de Assis, que para meu gosto supera o original, pois apraz-me mais a linguagem
seca e a fina ironia de Sabino, muito melhor do que os rococós machadianos – embora
eu reconheça a inventividade do original, com certeza o mais criativo romance
da história da literatura brasileira e uma leitura que me desconcertou, como
acontece com todos que o leem com a devida atenção. Aliás, Sabino gostava tanto
desse clássico machadiano que até o reescreveu em primeira pessoa. Apenas
comecei a ler tal atrevimento umas duas semanas atrás na casa de uma amiga;
chama-se Amor de Capitu. Nem precisa dizer que estou adorando, ainda que seja
uma ousadia que tenha provocado narizes torcidos; o crítico literário Alfredo
Monte, falecido precocemente em 2018, não se furtou a detonar implacavelmente a
recriação de Sabino – que, sim, parece feita de encomenda para vestibulandos. De
qualquer forma, isso é uma digressão na qual é melhor eu não me alongar tanto.
Voltando à Faca de Dois Gumes, a segunda novela é Martini Seco, que eu já havia
lido como um livro solo no carnaval de 2015, na casa de outra amiga, em
Brasópolis. Não sabia que compunha este volume e ri mais ainda da trama
rocambolesca ao relê-la, pois traz o humor do autor com o qual estou
acostumado. A última novela é a que dá nome ao livro, aliás lançado
originalmente em 1985; lá pelos idos de 1992/93 assisti ao filme baseado nesta
história, o qual foi dirigido por Murilo Salles e estrelado por Paulo José,
José Lewgoy e Marieta Severo em atuações marcantes. De longe é a melhor parte
do livro e já sabia que era fortíssima devido à adaptação cinematográfica. A
novela (ou conto, talvez) de Sabino diverge muito do roteiro da película a
partir de certo ponto, mais ou menos no meio da trama, e é muito superior,
embora o filme seja excelente. É literatura policial na sua melhor forma, mas
mais requintada, extremamente criativa e com linguagem trabalhada para ser a
mais concisa possível, dando força à narrativa a ponto de eu não conseguir
parar de ler; fui sequestrado pela história. É aquilo: reafirmo que O Grande
Mentecapto é o meu livro do coração, mas às vezes acho que esta/e novela/conto
isolada/o é o ápice da literatura de Sabino.
Daniel Souza Luz é jornalista,
professor, escritor e revisor
Fernando Sabino. Foto de domínio público. |
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