Semanas atrás escrevi sobre a
aventura que foi a entrevista que fiz com o Ziraldo no começo do século. É um
autor fundamental para mim, tanto pela leitura d’O Menino Maluquinho, um dos
primeiros livros que li, talvez o primeiro, ainda na primeira ou segunda série
do então ensino primário (o fundamental de hoje em dia), quanto pelas leituras
em voz alta do Pasquim que meu pai fazia antes mesmo de eu saber ler, no fim
dos anos 1970. Mais do que o jornal em si, recordo-me bem dos livros de piadas
editados pelos agitadores do Pasquim. Meu pai lia para nós as menos maliciosas
e, mesmo assim, ria muito. As capas eram desenhadas pelo Jaguar e o conteúdo foi
compilado pelo Ziraldo. O ratinho Sig, obra do grande cartunista que foi e
ainda é o Jaguar, era muito mais familiar e engraçado para mim do que o Mickey.
O primeiro livro de Anedotas do Pasquim tinha ele na capa soltando peidos de
fogo e, óbvio, eu sabia do que se tratava. Ria só de olhar para a atrevida ilustração.
Infelizmente, o exemplar perdeu-se com nossas mudanças, que não foram muitas,
mas suficientes para que algum buraco negro o engolisse e o livro perder-se
para sempre. Já segundo volume das Anedotas do Pasquim foi preservado pelo meu
pai, que até o encapou. Tem as marcas do tempo, pois é de 1980, e ficou-me de
legado. Além das muitas risadas na infância, garantiu-me depois mais
gargalhadas na adolescência, quando passei a entender as piadas mais infames. Quando
fui à palestra do Ziraldo em 2001, no IMS de Poços, peguei um autógrafo dele no
livro. Claro, como a compilação teve (ótima) redação dele, ilustrado pelo
Jaguar e lançado originalmente em 1975, obviamente é cheio de gracinhas
preconceituosas e bestas. Não creio que caiba o termo politicamente incorreto,
que é idiota e seria um anacronismo, pois não existia à época. Velhinho, até
hoje aparentemente Ziraldo não dá o braço a torcer e não se emenda quanto à
homofobia, por exemplo. É o humor de outra geração, que não dava a mínima em usar
estereótipos de minorias, ainda que teoricamente fosse a favor dos direitos
delas, e, com certeza, a censura ditatorial não estava nem aí com isso. A
ditadura militar brasileira deixava passar piadas ofensivas às minorias e
barrava as políticas, era um moralismo bem seletivo. Porém, também dá para
notar que Ziraldo ironizava sutilmente os milicos em algumas piadas e os
censores, burros, não percebiam. Ainda que recentemente, na ocasião da morte do
mestre da nouvelle vague Jean-Luc Godard, o cineasta Kleber Mendonça Filho
tenha trazido à tona uma sofisticada censura do filme A Chinesa, no qual a
censora tanto derretia-se em elogios quanto apontava que o filme levaria a
questionamentos da ditadura, fica patente que os censores em geral eram bem asininos.
E naquela época era censura mesmo, feita a priori, de um regime de exceção, que
levou à cadeia jornalistas do Pasquim; não eram decisões jurídicas a posteriori
para evitar desinformação eleitoral, que, questionáveis ou não, agora são
cinicamente definidas como “censura” por risíveis oportunistas que nunca
escreveram ou falaram uma vírgula contra censura judicial de fato a biografias
e livros. Ou, para usar um exemplo local, quedaram-se inertes quando os obtusos
vereadores de Poços de Caldas, com duas exceções, fizeram uma moção de censura
ao Queermuseu em 2017. E nem vou falar nada sobre as tentativas de implantar leis
de mordaça em escolas ou intimidar educadores – opa, já falei, mas não esperem
que esses sujeitos digam algo a respeito. Desses crápulas, pode-se esperar
grita por censura assim que se depararam com alguma obra de arte que não
gostarem. De qualquer forma, voltando às (boas) infâmias do humor setentista: o
livro tem anedotas impagáveis; algumas sobrevivem mal a estes tempos, mas
sobrevivem. Eu ainda gosto de uma sacanagem.
Monday, October 24, 2022
Uns Comédias
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