Monday, October 03, 2022

Platitudes

Esta crônica foi publicada na página 7 da edição 7850 do Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG). 

É muito fácil fazer um artigo de platitudes igual aos que pululam por aí aos montes em tudo que é periódico. É só juntar os ingredientes básicos, cozinhar e servir morno em largas porções ao leitor. Definições copiadas de velhas enciclopédias, de preferência. Fica mais difícil rastrear. Wikipédia é muito manjado. Lembro de uma coluna literária num extinto jornal local em que o rapazinho só pegava verbetes como o de Monteiro Lobato e jogava lá como se fosse o autor. Já não lembro bem, mas tinha um ou outro trecho surrupiado de sites educativos. É bom dar uma disfarçada, né? Como se fosse um trabalho escolar copiado do coleguinha, com um ou outro trecho alterado, para o professor não perceber. Pena que existem ferramentas de busca na internet, que chato. Esse é o tipo mais fácil de falsário de ser identificado. Também, de uma hora para outra começar a apresentar certa erudição, depois de apresentar textos primários, é mancada. Sei lá, vale tudo para deixar o próprio nome em evidência. Os manuais de autoajuda provavelmente dizem que é imperativo aparecer a todo custo, deve ser isso. Eu gosto de uma definição cínica, bem característica do pragmatismo norte-americano, da qual jamais me esqueci e que li há mais de vinte anos no Mate-me Por Favor, clássico da história oral. Salvo engano, foi dita pelo Jeff Magnum: boa publicidade é boa publicidade, má publicidade é boa publicidade e nenhuma publicidade é má publicidade. Só por isso não cito os nomes dos autores das infâmias. Ora, um bom texto de platitudes é igual indireta de rede social: não se cita os nomes de quem se critica, senão não seria platitude. Perderia a característica de bom mocinho. Só que eu também aprecio uma definição da qual, dessa vez, me lembro bem do autor: não vou dar palco para babaca, como dizia o jornalista Ricardo Boechat, tragicamente falecido e que faz muita falta neste momento. Aliás, eu conferiria se o Jeff Magnum, baixista do Dead Boys, é mesmo o autor da frase que citei antes, mas meu exemplar do livro foi surrupiado.  Tudo bem; se meu intento é emular um texto repleto de platitudes, uma citação errônea tem seu charme. E, de qualquer forma, o exemplo que citei antes é até ingênuo. Os piores tipos de artigos de platitudes são os escritos por gente como a também já falecida Lya Luft. Ela até tem um êmulo local também. Escreve bem, muito corretamente, sem plagiar ninguém, tal como ela o fazia, e vai-se lendo aquela conversinha mole, que parece muito civilizada e que muitas vezes tenta diferenciar-se pelo humor capenga, feita para enganar incautos ou para coonestar pulhas que compartilham aqueles textos aparentemente sofisticados. E, de repente, lá está: aquela passada de pano implícita para o fascismo mais descarado, o desprezo pelas centenas de milhares de vidas que poderiam ser poupadas e que ainda foram alvo de deboche ao morrer de Covid-19. Fascismo ilustrado ou fascismo tosco dão no mesmo. Foi mal, queria escrever um texto parodiando essas bobagens, mas falhei brutalmente devido à minha fisiologia: falta-me sangue de barata.

Daniel Souza Luz é jornalista, professor, revisor e escritor




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