Este conto foi publicado no Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG) em 09/10/2021. Eu o escrevi no dia sete de outubro e por coincidência no dia seguinte viralizou nas redes sociais um vídeo de uma mesa de debate sobre racismo na qual o Demétrio Magnoli censurou a manifestação de negros e permitiu que apenas brancos falassem. O conto não foi escrito tendo em mente o Magnoli, mas sim em sujeitos que são muito parecidas com ele.
Coça a papada com a mão macilenta
em frente ao espelho. Encara-se, incomodado. O fixo toca. Ninguém liga mais
nesse número. Estranha, mas atende.
- Fala, Gerô!
- Cris! Há quanto tempo! Que
surpresa boa. O que você conta de bom?
- Ah, nada de especial. Pandemia,
tudo parado. Estou escrevendo bastante, ao menos. E você?
- Quem me dera... Jornalismo
desconcentra. Escrevo bastante também, mas só para imprensa. Mas tudo bem, ao
menos nunca saio de casa, estou fazendo um isolamento rigoroso.
- Eu também! Estou acompanhando
tudo, rapaz. Assinei a revista nova, tenho lido sua coluna online. Impecável,
como sempre.
- Muito obrigado, meu caro!
- Precisa voltar para a
Literatura, Gerô! São poucos que ainda a honram. Se existisse essa besteira de
lugar de fala, esse é o seu.
- Ah, estou tão desanimado... Foi
um fiasco esse último. Mais um. Eu sei, você sabe.
-
Não é assim também...
- Foi. Nem o esquema da revista
deu certo. E deu tão certo pro Marião... Ainda bem que saí de lá.
- É, nem sua crítica ao meu livro
fez ele bombar. Mas não é culpa sua. A revista que já estava em decadência, não
é como antes.
- Sim, mas ao menos você vende
sempre. O incrível é que a sua crítica ao meu, que eu tinha tanta certeza que faria
um barulho, não atraiu ninguém. Nada. Queria ganhar meus trocados.
- O meio cultural daqui que não
está preparado pra sua sofisticação, Gerô. Está vendo que horror essa tentativa
de transformar a Carolina Maria de Jesus em escritora? Em escritora de
respeito! Esse país não tem jeito. É uma terra de parvos.
- E esse preto que ganhou o Nobel
agora? Nunca ouvi falar. Não suporto mais o politicamente correto, Cris. Um dia
ainda vão nos proibir de ler os clássicos apenas porque são europeus.
- Nem me fale. Mas, deixa eu te
falar, faz tempo que a gente não conversa e fiquei preocupado com algo...
Aquele povo festeiro percebeu nosso esquema de nos elogiar na revista? Deu
certo esperar umas semanas para que não notassem? Você sabe, não tenho redes
sociais.
- Passou batido, fica tranquilo!
Mas não sei se foi porque armamos direito. É que eles inflavam a circulação,
distribuem vários exemplares gratuitamente pelo país todo. Ninguém mais lê a
revista; você está certo, entrou em declínio.
- É, por isso não vendemos mais. Mas
e agora, daria certo fazer outro esquema pra promover meu livro que estou
terminando aqui?
- Não, não. Ficam em cima. Não me
deixariam escrever a respeito.
- Ah, pena.
-Bem, sendo bem Poliana, ninguém
parece ter percebido que foi tudo combinado. Às vezes foi melhor ter passado
batido. Se fosse naquela época que tentei esmagar a petistada nas letras...
Teriam caído matando.
- Era o meu temor. Imagina se alguém
percebesse? Iam fazer aqueles textos nos estereotipando como elitistas,
racistas, pedantes, esnobes e sabe-se lá mais que outro delírio.
- Pois é, imagina só! Que falta
de imaginação. Esse povo não sabe de nada. São sempre esses personagens
caricatos, planos.
- Não sabem como valorizamos o
diálogo democrático.
- E sofisticado.
- Pois é. Bem, tenho que desligar,
o alarme do SUV disparou aqui. Abraço!
- Vai lá! Vou terminar de
bebericar meu Chateau Petrus. Abraço!
Daniel Souza Luz é professor, revisor, jornalista e escritor
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