Esta resenha foi publicada no Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG) em 27 de novembro de 2021.
Esta outra coletânea lançada
pela TAG, a exemplo de Uma Outra História, que tem o mesmo subtítulo, tem
também como objetivo comemorar o Dia Nacional da Consciência Negra, que foi no
sábado passado. É, no mínimo, uma leitura tão ótima quanto sua companhia.
Particularmente, achei melhor, ainda mais forte. Como no outro volume, a tônica
é dada na introdução, escrita pelo editor Luiz Mauricio Azevedo. Tomo a
liberdade de reproduzir parte do início do seu texto, pois é muito seminal: “No
Brasil, há uma ideologia literária da cor, que incide sobre aquilo que
consideramos boa ficção. [...] Nesse deplorável projeto político de
branqueamento cultural, aprendemos a reduzir Machado de Assis à ironia, Cruz e
Souza ao exotismo poético e Lima Barreto ao alcoolismo”. Para captar, em parte,
a diversidade das letras afro-diaspóricas, o livro não se resume apenas à
literatura escrita por autores do Brasil, pois, como o próprio nome explicita,
os descendentes de africanos retirados à força do continente espalharam-se por
todo o mundo, particularmente pelas Américas. O primeiro texto, na verdade, é
terno; nele, a autora afro-cubana Teresa Cárdenas Angulo rememora seu contato
com os livros, seu fascínio com a escrita, sua decepção em notar que não havia
personagens negros na literatura canônica ou mesmo nas mais vanguardistas e
seus passos para se tornar uma escritora. A grande pancada no estômago vem com
o texto seguinte, o conto Filsan, da escritora somali Nadifa Mohamed. É o
momento mais visceral das duas coletâneas. Trata-se da história da militar que
dá nome ao conto, premida pela solidão, inadequação e pressão para que seja
melhor do que suas e seus colegas; o sexismo do qual é vítima acabará por
vitimar civis. É de se perguntar se a autora não ampliou uma narrativa tão promissora
num romance de longo fôlego. Uma leitura muito oportuna que vem a seguir é o
pequeno, mas revelador, ensaio que Jeferson Tenório faz da sua trajetória
enquanto escritor negro e quais implicações isso traz a ele e seus leitores.
Nele Tenório aborda o processo de escrita e divulgação de O Avesso da Pele, que
o levou a conquistar o prêmio Jabuti de melhor romance literário anteontem.
Segue-se a este ensaio outra transcrição do bate-papo entre Marcelo D´Salete e
Allan da Rosa, também presente em Uma Outra História, e nota-se que, na
verdade, o início da conversa está neste volume. Particularmente revelador no
diálogo, ao menos para mim, é o impacto que a revolução que levou à
independência do Haiti, influenciada pela religião vodu, teve na cultura negra
no Brasil e em inúmeros processos políticos no continente. Por fim, há mais um
ensaio sobre o processo formativo de leitora e escritora, desta feita da
escritora mineira Cidinha da Silva, que é muito direta sobre suas preferências
e desinteresses. É ela quem traz as referências mais diversas e neste ensaio
consolida-se de vez no leitor a importância do Programa Nacional do Livro e do
Material Didático (PNLD Literário), responsável pela distribuição de centenas
de milhares de livros em bibliotecas públicas e de escolas, citado até mesmo
por Teresa Cárdenas na difusão da sua obra no Brasil.
Daniel Souza Luz é professor, jornalista,
escritor e revisor
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