Esta crônica foi publicada em 30 de outubro de 2021 na página nove da edição 7626 do Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG). É uma versão retrabalhada da minha Micrônica 2009, que tinha o mesmo título e publicada originalmente em sete de novembro de 2017.
No final de 2008 fui chamado para
um concurso que prestara anos antes e do qual havia até me esquecido, pois
abandonei a faculdade de Direito. Era para trabalhar no Tribunal de Justiça de
Minas Gerais, como oficial judicial, num cargo que chamam de precário – sem
estabilidade, mas com possibilidade de efetivação. Uma prévia perversa da
precarização do trabalho que grassaria a partir do nefando governo de Michel
Temer. Mas, enfim, àquela época trabalhava numa assessoria de imprensa em
Campinas, justamente atendendo associações de magistrados de São Paulo, e
estava de volta à Unicamp, como aluno especial na pós de multimeios, estudando
Cinema Brasileiro. Estava bem feliz lá, mas topei voltar, afinal era uma carga
de trabalho de apenas seis horas e para ganhar um pouco mais, pois voltaria a
morar com meu pai por ao menos algum tempo e economizaria com aluguel. Comecei
no início de 2009. Fui nomeado para uma secretaria criminal – ou vara criminal,
pouco me importa o juridiquês, pois é o mais patético dos jargões. Pensei:
“Tudo bem, estamos no século 21, deve ser um trabalho civilizado”. Ledo engano.
Não, não estávamos – eu podia estar, mas o não arcaico judiciário brasileiro,
que mal disfarça seu pendor escravocrata. As letras de punk rock/hardcore e rap
sempre me avisaram, sempre soube, mas imaginei que os poderes haviam se
civilizado minimamente tantos anos após a redemocratização. Foi ingenuidade demais
para quem sempre ouviu punks e rappers. Caí em depressão, é deprimente demais
fazer parte da aplicação do direito penal, uma máquina tão racista que chega a
ser caricata. Sem falar ser obrigado a conviver com os privilégios nababescos
da magistratura, uma casta inimputável; na genial mudança que fez na letra de I
Fought The Law, do The Crickets (originalmente é “Eu lutei contra a lei e a lei
venceu”), para os Dead Kennedys, Jello Biafra já havia flagrado o maior dos
crimes: “Eu sou a lei, então eu venci”.
Daniel Souza Luz é professor, jornalista,
revisor e escritor
Jello Biafra em Nova Iorque, 13 de julho de 2002. Foto tirada por Scott Beale/Laughing Squid (laughingsquid.com) e reproduzida aqui via licença não comercial Creative Commons. |
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