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Apesar de citar o Bukowski e o Oliver Sacks, a grande influência para que eu escrevesse esta coluna foi o mestre Luis Fernando Verissimo. Foto de Fernanda Peruzzo/Creative Commons. |
BUK
Charles Bukowski é um dos meus escritores favoritos, ainda que tenha sido um ser humano deplorável e que seja canceladaço para as sensibilidades dessa década de 20. Se eu o tivesse conhecido, creio que não gostaria de ficar perto dele por mais de dois minutos. Entre um dos seus contos geniais, há um em que o sujeito, ao sair de casa, de tempos em tempos, depara-se com uma briga interminável na qual os protagonistas trocam inexplicavelmente de lado e quem tentava separar estava brigando com ambos.
METÁFORA
Embora não tenha intenções políticas, o relato assemelha-se muito à volatilidade da política partidária/institucional. Os protagonistas dos contos de Bukowski quase sempre eram o alter ego dele, que não se importava com nada e não queria saber o que estava acontecendo. No entanto, um exercício literário interessante seria transportar a situação para outra, só que arquetípica: a do sujeito que acorda de um coma anos depois.
2005
Imaginem alguém que acompanhava atentamente política e estava em coma há vinte anos, como num livro do Oliver Sacks. Milagrosamente, acorda e logo quer se inteirar de tudo. Ligam a TV e Lula é o presidente. Estranha e pergunta se ficou só uns dias apagado. Esclarecem sua situação mais uma vez. “Mas ele está há vinte anos no poder?”. “Não, aqui não é Venezuela, embora os inimigos dele adorem dizer que é a mesma coisa”.
CHOQUE
Até aí, tudo bem. Antes que tenham tempo de explicar algo, nosso paciente quase tem uma síncope. “Como assim o Alckmin é o vice?”, indigna-se o paciente impaciente ao vê-lo discursando em seguida na TV. Rindo, médicos e enfermeiros contam que até mesmo chamam o vice, de brincadeira, de “Camarada Alckmin”. O paciente recém-desperto esboça um sorriso.
INTERLÚDIO
Nosso amigo paciente pergunta então do grande nome da oposição: José Serra. Em meio às gargalhadas estrepitosas, comentam que acham que ele morreu. Alguém pesquisa no celular. “Não, está vivo, a bolinha de papel não o matou”.
SOSSEGA LEÃO
Os profissionais de saúde ficam preocupados. O paciente é tarado por política, quer saber mais sobre assunto do que sobre sua família e sua condição. “Mas o que aconteceu? Como que o Alckmin virou vice do Lula?”. Tentando resumir, um dos médicos, contrariando seus colegas, explica que após dois mandatos de Lula, Dilma foi eleita a presidente. “A ministra de Minas e Energia?”. “Não era mais, longa história. Aí ela foi reeleita e e sofreu um impeachment”. “Ahn?”. “É, pois é. Assumiu o Temer, que era vice”. “Tá estranho, mas isso é mais normal do que o Alckmin”, tranquiliza-se o paciente.
GRAN FINALE
Ignorando os sinais para que parasse, o imprudente médico prossegue. “Depois do Temer, o Bolsonaro foi eleito presidente, por isso o Alckmin…”. “Ah não!”, o paciente grita e puxa todos os fios. Entra novamente em coma, para nunca mais acordar.
Esta coluna foi publicada na página 10 da edição 8433 do Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG) em 28 de março de 2025.