Sunday, March 08, 2009

Pseudônimo à revelia

Não consigo lembrar onde foi que li. Era uma matéria sobre escritores brasileiros que foram funcionários públicos. Não me lembro bem do conteúdo, nem quem eram eles, à exceção de Carlos Drummond de Andrade. Só não me esqueci que a ociosidade do serviço público permitiu que eles escrevessem e desenvolvessem seu estilo durante o expediente.

Eis que um dia me vi enfiado neste desgraça. “Presta concurso, presta concurso!”, toda sua família contra você. Esgoto cheio de ratazanas, ninho de cobras, escolha a imagem que mais lhe aprazer. Não tem nada pior do que ser enfiado neste covil de medíocres. Casamento marcado, estabilidade no emprego, prisão perpétua.

Juro que queria trabalhar muito para justificar o suado imposto do povo. De cara vi que só tinha vagabundo. Serviço jogado nas minhas costas. Tentei me livrar, só que é aquilo: os vagabundos velhos acham que o serviço deles é sua obrigação. Um dia cansei de bancar o garoto trabalhador. Virei vagabundo novo. Inventei que meu serviço mesmo era outro, devolvi a papelada a quem de direito, e fui à caça do idílio literário.

Tomei no cu. Em uma repartição pública, o trabalho mais importante é o de espionagem. O que está fazendo, a que horas, com quem. Ninguém é carente emocionalmente, pois todos se preocupam uns com os outros. Três dias para escrever e depurar uma crônica caprichada, e vejo-a publicada em um pasquim local. Porém, assinada por uma “jornalista” que eu não conheço. Amiga do chefe do setor. Que não vai com minha cara. E, entre um café e outro, mexe no meu computador quando não estou.

Três dias. Serviram para que o embrulho do peixe não fosse branquinho. Para tanto, podia ser apenas um. Mas com tanta gente falando na sua cabeça o tempo todo, é impossível concentrar-se.

Serviço de rua. A salvação.


Esse miniconto é de 2003 ou 2004. Achei no meu computador velho. Não consigo entender porque não o curti na época.

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