Wednesday, October 24, 2018

Metal Perfumado

Jairo e Juliano chegam à casa de shows, na verdade mais conhecida por abrigar arrasta-pés na cidade interiorana, cujo calor derrete quem está à beira da piscina e ainda mais os dois e todos os que estão na porta do lugar, um deserto de asfalto e concreto. Ambos vestem preto e logo identificam seus pares.
- Aqui que é o Tijuana Bar? Não tem placa...
- Opa! Vamô quebra tudo com uns déti metal com nóis.
Apresentações feitas, simpatia imediata.
- Então, nós somos da banda de fora.
- Qual banda? Eu sou um dos organizadores. Não lembro de banda de fora...
- Do Virgin's Immolation.
- Ah é! Mal aí, já virei um tubão. Cadê os equipos d’ôces?
- Vamô lá pegar.
Pardal não perde as piadas no caminho. Sugere que Jairo e Juliano seria um bom nome para uma dupla caipira e que não era para eles tocarem viola no show não. Os dois riem, mas ficam putos por dentro.
- Ô Fabinho, abre o portão aí pros meninos do Virge Amolação montar o palco – brinca Pardal. É o jeito dele, pensam.
A cena parece um hospital de campanha. Vários desfalecidos deitados no chão, vomitados. E o show nem havia começado.
- Falaí, seus poser!
Era Zé, o único contato de Jairo e Juliano na cidade.
- Cê que é um comedor de sucrilhos!; vociferam de volta, em uníssono.
Sentindo-se mais à vontade, os dois enchem-se de expectativa. A bateria eletrônica é plugada e devidamente programada. Eles não têm mais paciência com baterista; está todo mundo velho, os amigos não dão mais conta de tocarem rápido.
Sobem ao palco. Serão os primeiros a tocar, para poderem pegar estrada e voltar cedo. Todo mundo trabalha na segunda de manhãzinha. Antes do primeiro acorde, chega a polícia. Já era.
Estava cheio de adolescentes bêbados e o comissariado não perdoou. O comissário ficou horrorizado. Disse que nunca havia entrado num lugar que cheirasse tão mal. Com o calor, o cheiro de cecê vazava pelas janelas. Jairo e Juliano venderam uma demo em fita, como antigamente. Coisa do demo. Voltam felizes, apesar de tudo; missão cumprida.
Daniel Souza Luz é jornalista e revisor
Foto que tirei do Infects Humanity no parque Vitória Régia, em Bauru/SP, em meados de 1999. Minha inspiração para este conto foram mais os shows que vi na primeira década do século 21, mas também não me esqueço do calor do interior paulista nestas ocasiões.

Este conto foi publicado no Jornal da Cidade (Poços de Caldas/MG) no dia 20 de outubro de 2018. É uma versão levemente reescrita do meu conto Os Verdadeiros Guerreiros da Verdade do Verdadeiro Metal, publicado aqui no blog em 26 de abril de 2015. O novo título é uma homenagem ao grupo pós punk Chrome, que tem uma música chamada Perfumed Metal, que nada tem a ver com heavy metal. O conto é inspirado em memórias de shows underground de metal que vi em Varginha, Mogi Mirim, Bauru e em especial no primeiro endereço do bar Califórnia e no Bailão do Toninho Norato (acho que era este o nome), ambos no centro de Poços de Caldas, ao longo da década passada.

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