Thursday, May 20, 2021

Partes de um Corpo, vários autores

Autores do livro: Cláudia Tajes, Giovana Madalosso, Antônio Prata, Jarid Arraes, Tati Bernardi, Jessé Andarilho e Mel Duarte.

A TAG é uma editora gaúcha que tem uma proposta interessante: um clube de livros. O leitor assina e recebe em sua casa uma obra da qual não tem conhecimento prévio. Não é um expediente inédito e, basicamente, são livros de outros editoras que recebem um tratamento de luxo, com vários apêndices. Algo parecido com o extinto Círculo do Livro, que funcionou entre as décadas de 1970 e 1990, mas muito mais caprichado. A boa novidade é que passou a publicar títulos inéditos e neste mês as duas obras ofertadas estão sendo acompanhados por obras independentes, ou seja, livros de contos que não são meros apêndices. Um deles é Partes de um Corpo, que veio junto ao livro Gostaria que Você Estivesse Aqui, de Fernando Scheller. Enquanto lia-o, repensei um pouco minha condenação ao uso de redes sociais: por parte delas, descubro e leio vários bons novos escritores, alguns deles presentes neste volume. De qualquer forma, uma coletânea dessas é sempre bem-vinda, pois transcende os esquemas de algoritmos que tentam capt(ur)ar nossos gostos. Aos autores convidados, foi dado o tema que está exposto explicitamente no título, que ganharia relevância numa pandemia que extirpou os corpos de mais de 400.000 brasileiros. Alguns contos, muito alegóricos, acabam por não passar essa urgência da contemporaneidade proposta, no entanto. Não que isso seja ruim, acaba tornando este pequeno painel mais diverso. Recomendo deixar a leitura do prefácio, de Socorro Acioli, por último. Acaba entregando muito dos contos, todos inéditos. Mesmo assim, ela expõe muito de O Nariz, de Gógol, que não li por pouco há uns anos, e O Visconde Partido ao Meio, de Ítalo Calvino, que está há meses na minha pilha de livros a serem lidos. Tendo isso em mente, tentarei dar o menos de spoilers possíveis. Bile n.º 5, de Claudia Tajes, é o primeiro texto e é o mais distópico de todos – na verdade, o único, e era de se esperar outros, dado o contexto. Fortíssimo e surpreendente, contrasta com o conto seguinte, o delicado Melanomas, de Giovana Madalosso. Entretanto, há muitos pontos de contato, pois ambas as tramas partem de tratamentos oncológicos e há muitos termos médicos – dá até para supor que as autoras tiveram que enfrentar a doença nas suas famílias, pois também sou familiarizado com tais vocábulos. São os melhores. Bourbon, de Antonio Prata, é hilário e rápido. Neste caso, tenho que entregar uma parte fundamental da história: é sobre um falo falante. Não é algo de todo original, ao contrário do que parece; O Tagarela, HQ do italiano Paolo Baciliero, publicada no Brasil no início dos anos 1990 na icônica Grandes Aventuras Animal, já contava uma história parecida e até mais engraçada. Antonio, no entanto, insere discussões deste século na história e demonstra ser até mais hábil para o humor do que seu pai, Mario. A narrativa seguinte é Engolir o Amor, de Jarid Arraes. Já havia lido um de seus livros de poesia, Um Buraco com meu Nome, e foi uma grata surpresa ver que também domina muito bem a prosa ao abordar as crendices do catolicismo popular e seus efeitos, muito deletérios, nas relações interpessoais das protagonistas. O conto que se segue, O Dedão de Carolina, é uma grata surpresa: é de Tati Bernardi, a quem costumava ler na Folha de S.Paulo, junto com Antonio Prata, e me fartei de seus textos acerbos e egocêntricos, especialmente os que abordavam maternidade e saíam na Revista da Folha. Ao contrário do que esperava, não há nenhuma birrinha de gente branca de classe média alta no texto, mas sim uma história quase tão cômica quanto ao de seu colega de jornal. Os dois últimos, infelizmente, não são tão bons. Braço Direito, de Jessé Andarilho, é um texto metafórico, uma brincadeira com lugares-comuns; é bem urdido, mas não faz rir. O que, talvez, nem seja a intenção do autor, mas parece-me que sim e que ele não alcançou seu intento. Daquela que te Alimenta as Memórias, de Mel Duarte, ótima poeta – dessas que conheci e leio nas redes –, pesa muito na questão autorreferencial e faz pensar como o incensado modelo de autoficção já está muito desgastado. De qualquer forma, temos aí autores e autoras de formações e públicos muito diferentes reunidos num pequeno livro interessante, que pode apresentá-los para leitores de fora de suas bolhas.

Daniel Souza Luz é professor, jornalista, escritor e revisor


Esta resenha foi publicada originalmente no Jornal da Cidade (Poços de Caldas/MG) em 18 de maio de 2021. O texto foi revisado pela Juliana Gandra.  




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