Monday, August 23, 2021

Indignação, de Philip Roth (resenha)

Esta resenha foi publicada no Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG) em 21 de agosto de 2021. Já havia publicado uma versão preliminar no Good Reads cinco dias antes, a qual reescrevi para adaptá-la ao jornal, também ampliando-a. 

Conforme prometi na minha mais recente crônica para o Jornal da Cidade, aqui está a resenha de um livro do Philip Roth. Era para ser outro, mais recente, mas não faz mal. Haverá outra oportunidade. Indignação é uma obra excepcional. Roth é mesmo um mestre da narrativa. Em certos momentos ele ilude o leitor, parece que incorre na literatura fantástica, mas nada disso; Roth era um cético, com os dois pés firmes no chão, e tudo fica muito bem explicado e amarrado. E estava tudo na cara, mas ele habilmente me deixou perplexo, imaginando experimentalismos e implicações cósmicas. Já deveria saber de antemão que não era nada disso. E esse é só um dos inúmeros pontos fortes do livro. Se você não gosta de spoilers e ainda não leu esse obra-prima, pare de ler por aqui. O narrador, Marcus Messner, é um jovem ateu de origem judaica (o que me faz supor que o romance seja em parte autobiográfico, como boa parte da obra dele) que desiste de estudar na faculdade local para escapar à opressão paterna, que até um pouco antes de sua entrada na universidade não existia ou era muito tênue. Messner, aliás, é de Newark, cidade natal de Roth em Nova Jérsei. Ele então parte para outra, muito conservadora e numa cidade interiorana do reacionário Meio-Oeste dos EUA. É claro que nada de bom virá daí e suas relações com um colega de quarto homossexual e libertino, com outro obtuso e provinciano, com uma "peguete" chamada Olivia Hutton, com colegas das famosas fraternidades daquele país e principalmente com uma espécie de bedel moral da faculdade serão permeadas de tensão. Fascina-me em especial a discussão com este último, chamado Cauldwell, no qual Marcus cita o ensaio Por Que Não Sou Cristão, de Bertrand Russell, esgrimindo argumentos impecáveis e sendo retorquido por uma retórica medíocre, eivada de macartismo. Roth mostra brilhantemente como um jovem inexperiente pode ser inteligentíssimo, mas também pode ser tolhido pela inexperiência e pelo uso abusivo de micropoderes por parte de adultos tóxicos e invasivos. Chama a atenção, comparativamente, a crescente paranoia do pai de Marcus, que em parte lembra as neuroses de Portnoy, que não tinha uma relação sadia com os pais em O Complexo de Portnoy, outra das obras-primas do Roth. Marcus, pelo contrário, tinha uma boa relação e é trabalhador, estudioso e principalmente compenetrado, tendo em mente que precisava se destacar nos estudos para não ser alistado e mandado para a morte certa na cruenta Guerra da Coreia. O encadeamento de escolhas impensadas, imaturidade, reacionarismo e eventos fortuitos resultam em tragédia e na perda irreparável de cérebros - não só de Marcus, como o de Olivia, provavelmente. A final nota amarga é que Roth não deixa de observar que isso deve-se muito ao zeitgeist: a trama se passa nos anos 1950 e na libertária década seguinte espíritos arrojados e brilhantes como os de Marcus e Olivia não serão destruídos por sujeitos obtusos como Cauldwell, que perdem a importância e o poder mesmo numa instituição ultraconservadora, mas sim se destacarão na geração flower power que demoliria tabus sexuais e comportamentais.

Daniel Souza Luz é revisor, professor, escritor e jornalista



2 comments:

Iandella Cape said...

Deu muita vontade de ler,Dani!

Daniel Souza Luz said...

Tomara que você encontre em alguma biblioteca aí em Iguape!