Monday, November 14, 2022

O Menino do São Benedito e outras crônicas, de Luis Nassif (resenha)

Esta resenha foi publicada na página 7 da edição 7878 do Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG) em 12 de novembro de 2022. A base do artigo foi um texto que escrevi para o Good Reads sobre o livro; aproveitei o gancho da censura determinada pelo prefeito Sérgio Azevedo para atualizá-lo e ampliá-lo. 

No aniversário de 150 anos de Poços de Caldas veio à tona um rumoroso caso de censura, imposta pelo prefeito, da qual foram vítimas os realizadores de um documentário sobre a cidade e o jornalista poços-caldense Luis Nassif, que ressaltou ser autor de dois livros sobre a história de Poços. Pergunto-me, entretanto, quem os leria na medíocre bolha dos gabinetes onde se tomam decisões estultas. Por acaso, resolvi ler um deles em meados deste ano: O Menino do São Benedito e outras crônicas, um calhamaço de 456 páginas que, na verdade, não se aprofunda tanto assim na história do município. Foi uma boa leitura, mas tenho alguns senões. O grosso da obra é composto de crônicas sobre música, especificamente MPB, estilo sobre o qual não tenho conhecimentos profundos. Procurei para ouvir na web várias das canções que Nassif cita, uma facilidade que tenho agora, mais de vinte anos após o lançamento do livro. Deu o que fazer para achar algumas músicas, pois os nomes estão errados nos textos. Há muitas imprecisões, mas, ao menos, em boa parte das vezes há o uso de marcadores como "acho que", "se não me engano" e por aí vai. Isso, no entanto, não se aplica aos nomes das canções: parece que ele nunca conferia os títulos. De qualquer forma, descobri várias pérolas graças à leitura das dezenas de crônicas sobre artistas tanto famosos quanto obscuros. Há muito ufanismo nos textos que refletem mais sobre a realidade socioeconômica do Brasil, um exagero completo mesmo, e a crença dele num país que progrediria civilizadamente esbarra no tecnicismo econômico tucanoide - o mesmo que ele tanto critica e o que nos jogou e continua nos jogando na barbárie, agora agravada pela extrema-direita abraçada pelos censores de plantão. As leituras mais prazerosas são das crônicas sobre música, esporte e a respeito de Poços de Caldas. A mania dele de estabelecer um panteão pessoal de grandes personalidades, porém, me encheu o saco, pois é contraditória - tem uns três melhores discos da MPB de todos os tempos, muito acima dos outros, dependendo da crônica. E, sendo poços-caldense, não engulo muito esse culto a lideranças locais; tenho claro para mim que, em grande parte, não eram nada além de coronéis extremamente autoritários. A leitura dos textos, aliás, confirma que eu sempre estive certo sobre a empáfia e o mandonismo desses sujeitos. Essa tradição deplorável acabou resultando no que mesmo para o autor, aliás? E eu não quero saber quem comeu quem, outra aparente obsessão ao tratar desses fulanos e de outros poderosos, que aliás eram uns talaricos escrotos, a se julgar pelos relatos que Nassif faz candidamente. O que gostei mesmo é da crônica que dá título ao livro, a respeito da infância de Nassif. Sempre estou ali por perto da praça da igreja do São Benedito e, mesmo tendo conhecido uma paisagem muito alterada, consigo visualizar todas as cenas descritas. Por fim, os textos sobre Walther Moreira Salles são um primor. Mesmo não tendo grande curiosidade sobre a trajetória de um banqueiro, atiçaram minha vontade de ler a biografia que Nassif recentemente lançou sobre Moreira Salles – o outro livro dele que aborda a história de Poços de Caldas, a qual a vida do fundador do Unibanco está intrinsicamente ligada.

Daniel Souza Luz é escritor, jornalista, professor e revisor






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