Wednesday, May 23, 2007

Recado particular

Contra minha vontade, aprendi a atirar antes de espremer espinhas. Papai era obcecado por armas, entendia que era a única defesa confiável, ou isso ou estaríamos nas mãos de meganhas ausentes e incompetentes. Não acreditava nisso, nunca aconteceu nada, estamos nas mãos de Deus e só. Arma nenhuma pode fazer frente à surpresa, ao inconcebível. Fui obrigado a fingir entusiasmo em caçadas a pobres capivaras que nunca fizeram mal a ninguém, a atirar em troncos fingindo ódio por eles serem imaginários invasores de terra. Talvez por não gostar, talvez por querer impressionar a todos e largar logo daquilo, descobri o único dom que os céus me deram: uma mão firme nos coices e uma mira nanométrica. Uma maldição, na verdade. O que iria fazer com aquilo? Não gosto de caserna, polícia (uma boa influência paterna), de caça. Ainda entristeço-me por ter estourado a cabeça de todos aqueles bichos. Depois de, ingenuamente, na verdade ter considerada minha presença indispensável nas excursões, passei a errar de propósito. Tive minha masculinidade questionada pelos tios e compadres, mais do que minha firmeza, mas permanecia tão frio quanto na época em que acertava todas as ranhuras de madeira que afirmava que acertaria. Pedras que voavam longe, galhos partidos, folhas esburacadas, detalhes de troncos chamuscados. Sabia exatamente onde mirava e acertava, sempre.


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