Monday, May 02, 2016

Swervedriver, uma crônica para ler enquanto se fita os pés

Conheci o Swervedriver em 1991. Aliás, ouvi pela primeira vez em 91; em 1990, acho, já havia lido sobre a banda em alguma revista, suponho que na Bizz. A banda havia começado em 1989 e é conhecida como um dos maiores nomes da geração shoegaze. Mas não os vi sendo associados a isso à época, mas sim ao lurch: a primeira vez em que os ouvi, como estava dizendo, foi numa matéria de TV apresentado por um jornalista da Bizz, o Fernando Naporano, também vocalista do Maria Angélica Não Mora Mais Aqui. Por incrível que pareça, na Globo, e não numa rede de TV que prestava atenção no underground, como a TV Cultura, na qual descobria bandas maravilhosas. À época a Globo havia estreado um programa chamado Dóris para Maiores. Era estrelado pela Dóris Giesse, que havia sido apresentadora do Fantástico. A maior atração era um quadro de humor no qual ela interpretava um andróide, chamado Dorfe, contracenando com o Diogo Vilela. Era uma porcaria. Ela até tinha o physique du rôle para um papel, digamos, “cyberpunk”: loira de cabelo curtinho, andrógina, mas os anos oitenta já haviam passado e a TV Pirata já era. O principal é ela não tinha o zeitgeist e, de qualquer forma, este já estava em transmutação. O programa dela, no entanto, trouxe dois marcos dos anos noventa que estourariam de vez no ano seguinte, justamente os únicos quadros que prestavam: o Casseta e Planeta, no humor, e o quadro do Naporano, na música. Ele falou numa de suas reportagens sobre o lurch, o som barulhento ora em voga na Grã-Bretanha, mencionando bandas como o Silverfish e o Swervedriver, e mostrou a contraparte dos EUA, o então desconhecido Nirvana. Adorei todas as bandas e não imaginava escutar um disco de alguma tão cedo. Outros tempos estavam anunciados e o Nirvana já tava chegando ali na esquina.
Já o Swervedriver só fui ouvir de novo no primeiro jogo de videogame que tinha, com todo o respeito aos compositores de 8-bit, músicas de verdade, acho: por volta de 1994 ia, junto com meu irmão, jogar Road Rash, do 3DO, numa loja do centro que alugava o uso do console por algumas horas. O jogo tinha músicas muito legais do Swervedriver (Duel e Last Train do Satansville), Therapy?, Monster Magnet e mais uma cujo nome não tenho certeza, mas acho que era o Paw. Um ano depois vi clipes da banda no Lado B da MTV, mas disco mesmo só achei na era do MP3. Se tudo era mais difícil, por outro lado a dificuldade de acesso tornava as experiências de ouvir um som pela primeira vez em algo mais emocionante. Se estou romantizando o passado, desculpem-me, mas é a sensação que tenho, porque foram experiências tão marcantes que ainda tenho a memória delas.
E eis que um quarto de século depois de ouvir o Swervedriver pela primeira vez é anunciado um show deles no Brasil. Ontem, primeiro de maio de 2016, vinte e cinco anos depois daquela reportagem do Naporano, fiquei cara a cara com a banda. E mais perto que imaginava que conseguiria, em frente ao palco mesmo.

Comprei o ingresso meio em cima da hora, devido a algumas contingências, mas por um preço um pouquinho melhor ainda. Devido a problemas de saúde da minha avó, para ajudar minha irmã, não pude ir para São Paulo, onde rolou o show, durante todo o final de semana. Fui no domingo de manhã mesmo, depois de dormir tarde, para fazer um bate e volta. Estava pensando em ir mais tarde, mas peguei o ônibus no horário certinho, de manhãzinha, para encontrar meu velho amigo Daniel Ikuma, que também foi ao show, pois botei pilha nele. Conheço o Daniel desde 1999, quando fomos num festival chamado 48 Horas, no campus da Unesp de Marília, no qual vimos shows do Autoboneco, Biggs e Garage Fuzz. Companheirão de grandes rolês, como o show do Shellac que vimos em 2008. Chegamos ambos às 13:00 e já fomos direto para Liberdade, bairro onde fica o Cine Joia, a casa de shows onde seria realizado o Balaclava Fest 3, o festival que teve a feliz ideia de trazer o Swervedriver ao Brasil.
Na Liberdade, meu xará fez o check-in no hotel e fomos almoçar. O engraçado foi que eu já conhecia o bairro – ao menos a parte nos arredores do metrô – e ele, de ascendência japonesa, não. Botamos as conversas sobre punk rock em dia e ele me contou uma história muito bacana enquanto passeávamos pelo bairro: o bisavô dele ia lá comprar LPs de música japonesa, os famosos vinis de 78 RPM, nos anos setenta. Nos anos cinquenta eles já tinham vitrola em casa.
Depois de umas brejas, entramos no Cine Joia. Arrependemo-nos de ficarmos marcando muito tempo na porta, trocando ideia, e ainda gastarmos partes do tempo do primeiro show para comprarmos o vinil do disco mais recente do Swervedriver, pois havia poucas cópias; poderíamos ter feito isso assim que as portas se abriram e teríamos visto todo o show do Medialunas. Das bandas de abertura, achei a melhor. Um duo composto por um casal, guitarra e bateria. A baterista contou, antes de iniciar a música de que mais gostei, que ela foi ensaiada em meio aos cuidados do bebê deles. O som, enérgico, foi bacana demais e refletiu esse amor – ao menos para mim.
A segunda banda era mais para apreciar as dissonâncias psicodélicas. Também não tem baixista e se chama Quarto Negro. Lembrou-me velhas ilustrações de anúncios, acho que de cursos por correspondências, que via em revistas de quadrinhos infantis, nos anos setenta, quando eu era criancinha: estes anúncios tinham o desenho de uma banda com um cara bem ripongo tocando teclado. O tecladista da banda não tem o visu tão hippie assim, mas para mim ficou impossível não associar. Pouco depois veio a terceira banda, o Supercordas, a única das bandas nacionais do festival da qual já tinha ouvido falar; no entanto, nunca tinha ouvido. Optei por não ouvir nenhuma previamente, quis conhecer ao vivo – pois era assim que conheci muitas bandas nas antigas. A princípio não gostei, tinha algo de rock rural – estou sendo impreciso, não é bem isso – que não me agradou. O Daniel já tinha ouvido e não gostava. O público, começando a ficar mais numeroso, ou ao menos a se aproximar mais do palco, parecia curtir. De onde eu estava, num canto mais atrás, não distinguia o que estava sendo cantado. Resolvi chegar perto do palco e consegui discernir as letras. Aí comecei a gostar, pareceram-me boas narrativas. O som, entre o minimalismo em algumas músicas e mais sofisticado em outras, conseguiu me pegar. Deixaram para destacar politicamente no final o que já haviam mostrado no começo: o vocalista, também guitarrista, levantou um cartaz escrito “Vai ter luta”, em referência à reação ao (provável) impeachment da presidente Rousseff.
Por fim, depois de alguma espera, entra o Swervedriver. E começaram com Autodidact, do disco novo, como o Daniel previu, baseado nos setlists que viu. As bandas podiam variar mais, não é? Hoje tá tudo um pouco previsível demais. Mas já compensou de cara: a execução foi sutilmente diferente da versão de estúdio e, das músicas novas, é das mais bonitas, ao lado de Winter Dephts, que não está no disco e não fez parte da apresentação. Para mim foi curioso notar que quem estava no baixo era Mickey Quinn, do Supergrass, banda da qual nem sou muito fã – aliás, odiava, até ganhar o primeiro disco e descobrir que apenas Alright é que era ruim mesmo. Os clássicos finalmente vieram. Em Never Lose That Feeling aquela barragem de guitarra distorcida no talo, lembrando My Bloody Valentine, providenciada por Jimmy Hartridge, só veio no primeiro riff, depois ela não se destacava. Para mim fez falta; não sei se foi opção ou falha do som. Rave Down foi de emocionar. Em Son of Mustang Ford a batera do Medialunas subiu na beira do palco. Como pouco antes um cara tinha saído daquele canto e havia entrado uns malucos mais altos na minha frente, havia posto meu vinil recém-comprado em cima da beirada do palco e encostado no canto direito, perto das caixas de som. Foi a conta de tirar correndo o disco, ela quase pisou em cima. Ela dançou em frente à banda e pediu para o público segurá-la, já tinha segurança indo atrás dela. O público era quieto, não era de mosh ou pogo, só havia alguns cabeludos batendo cabeça – um com camisa do Pixies, lembro-me bem. Enfim, ela conseguiu que uma galera das bandas de abertura a segurasse para ela pular. Foi a única pessoa a fazer stage dive no show. Não é à toa que foi chamada de musa por uma mina, durante o show do Medialunas. Quando veio bis, resolvi ir mais para o meio, pois o retorno do vocal estava começando a incomodar o ouvido, no canto onde estava. O bis foi perfeito para mim, minhas duas músicas favoritas deles: Last Train to Satansville, muito foda, e Duel. Aí uma menina que estava colada no palco resolveu sair e fui para o lugar dela. Vi Duel a uns dois metros de Adam Franklin. Que noite! Ao me despedir do Daniel, em frente ao metrô Liberdade, fiz questão de abraçá-lo e dizer que foi uma honra ter visto esse show com ele.

Adam Franklin. Foto que tirei com celular no bis, durante o início de Duel, quando encostei no palco.
 

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