Monday, December 06, 2021

Queda Livre

Esta crônica foi publicada no Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG) em 04/12/2021, depois de ser revisada pela minha noiva, Juliana Gandra. É uma versão reescrita e muito ampliada da minha crônica A Queda, de 2017. 

Há algum tempo disse que precisa reescrever minha crônica A Queda. Bem, chegou a hora, por uma série de fatores que não vêm ao caso agora. A questão é: talvez eu tenha começado a andar de skate em 1987, mas mais provavelmente apenas meu irmão começou naquele ano. Eu tinha medo; via uns moleques bem mais velhos, uns caras que na verdade eram altos que nem prédios e já deviam ter 18 anos, ou quase isso, descendo minha rua muito rápido em pé nos skates; eu pensava que no máximo desceria sentado. Parecia assustador demais, absolutamente apavorante, vê-los soltos em cima das pranchinhas com rodas. Bem, um ano depois lá estava eu descendo a rua de casa em cima de um skate, primeiro com medo, pouco depois destemidamente. Eu me recordo bem que tinha 13 anos quando comecei, pois os moleques mais novos diziam que eu era velho demais para começar a andar – imagina, pura pressão, não tinha o menor sentido. Apesar de ter alcançado esta idade nos fins de 87, é quase certeza que comecei a andar em 1988.

Tanto eu quanto meu irmão começamos com um péssimo skate, emprestado por um amigo chamado Ronan, primo de umas vizinhas. Ele sempre aparecia na rua Platina, onde residíamos, e nos emprestava o skate dele sem problemas. Meu irmão e eu convencemos meu pai a nos comprar skates bem melhores. Eles nos proporcionaram algo muito melhor do que descer rápido a rua, afinal isso os carrinhos de rolimã também proporcionavam. Aprender a dar ollie, o famoso flatland ollie inventado por Rodney Mullen, foi árduo, mas era isso que nos fazia voar. Não conheço sensação melhor na adolescência do que sair por aí superando obstáculos de ollie air.

Mais do que qualquer coisa, acho que foi isso que me deixou safo para a vida de adolescente e a ter alguma vivência de rua. Até então, eu era meio cabação das ideias. Era bem impressionável e um exemplo de pensamento mágico, sem qualquer fundamento na realidade, do qual nunca me esqueço é de quando, salvo engano, eu ainda não sabia andar de skate.

Meu irmão foi pular uma rampinha improvisada da rua Platina, que é uma leve ladeira, mas se atrapalhou e bateu a cabeça no chão. Fiquei impressionado com o baque seco da queda, pois eu estava ouvindo música bem alto no toca-fitas do carro do meu pai, pois era o único aparelho de som que tínhamos.

Acontece é que justo naquele momento eu estava ouvindo Bark At The Moon, do Ozzy Osbourne. Como eu não sabia quase nada de inglês e não anotaram o nome das músicas na fita, eu achava que o Ozzy dizia “Back, Demon!” no refrão – que, na minha cabeça, era “Volta pra cá, Demônio!”. Não fazia ideia que a tradução do título era Uivando Para a Lua. Pois bem, influenciado por discursos sensacionalistas da mídia, achei que meu irmão havia caído por minha culpa, devido à suposta influência malévola da música. Quando entramos em casa e ele era socorrido, eu me senti extremamente culpado. Mas ele se recuperou e tudo realmente acabou bem: aprendi inglês e dois anos depois já estávamos ouvindo Slayer, que é thrash metal e muito mais satânico do que o Ozzy, mas esses satanismos de araque do metal só impressionam quem é bocó.

Daniel Souza Luz é professor, revisor, escritor e jornalista


Still do videoclipe de Scrape, música de 1995 de Unsane, editado apenas com tombos de skate. O Unsane é um das bandas de noise rock da qual mais gosto. O nome desta crônica era originalmente Caindo de Novo, mas mudei para Queda Livre, pois assim que a concluí começou a tocar Free Fall, do Cornelius, artista japonês de música eletrônica, num aplicativo. Daí aproveitei a sincronicicidade. 



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