Monday, January 17, 2022

Aqui, Ali, Todo Lugar, de Marcos Silva (resenha)

Esta resenha foi publicada na página nove da edição 7676 do Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG) em 15 de janeiro de 2022. O texto não passou por revisão nem na ocasião e nem agora. Se necessário, depois faço ajustes. 

Plaquetes são um modo democrático de se distribuir boa literatura de modo impresso. Tomei contato com o formato pela primeira vez na Casa das Rosas, em São Paulo, onde fiz minha pós-graduação em Jornalismo Literário: lá estavam sendo distribuídas gratuitamente duas e assim tomei contato com as obras de Susanna Busato e Micheliny Verunschk, ambas ótimas poetas. Pequenas obras, que também podem ser entendidas como opúsculos, fanzines (pela nova geração; já a minha preferia o velho, tosco e bom xerox) ou até mesmo como cordéis, como bem observou meu amigo Luiz Henrique Leocádio, quando lancei Zênite, meu segundo livro. Aliás, meus dois livros, com formato de bolso, são plaquetes, justamente devido à acessibilidade. Este formato também foi utilizado pelo professor Marcos Sturaro Silva, residente na vizinha São João da Boa Vista, para lançar um acompanhamento ao seu livro de poesias Ópera Geológica. Ambas as obras saíram no final de 2021 e tiveram lançamento em Poços de Caldas na semana passada, na Livraria Porão. Antes de mergulhar na poesia de Silva optei por conhecer a prosa. Com o formato maior do que um livro de bolso tradicional, com as mesmas 16 páginas das minhas duas obras, sua plaquete comporta um número razoável de narrativas. É belamente ilustrada pelo próprio Marcos, numa boa edição da Livros Nômades, que cuidou inclusive de obter o ISBN para Aqui, Ali, Todo Lugar, ao contrário de vários livretos editadas de forma semelhante. São narrativas, claro, curtas. Os contos (e talvez um ensaio de um ensaio, vamos dizer assim) refletem sua formação em, me parece, Geografia (o autor leciona essa disciplina e, também, Sociologia). Historiografia, que abre a obra, revela certo desencanto com a burocratização da escrita exigida pelo mundo acadêmica, afinal as ciências humanas aspiram ao status de ciência dura, claro, e têm uma metodologia rigorosa que muitas vezes sufoca a narratividade – por isso mesmo fiz a pós em Jornalismo Literário, uma das decisões mais acertadas da minha vida. Daí em diante vem uma prosa exuberante, como se fosse uma libertação. Armanhaque ou a Arte da Gula e Terra Sem Males são dois contos que demonstram fascinação pela simbologia da cornucópia, pois têm como cenário territórios de abundância e felicidade plena; especialmente o segundo é como se fosse uma Utopia de Morus tomada pela anarquia de Bakunin, ainda que paradoxal, pois há uma (falsa) rainha. A citação do explorador Richard Francis Burton no “ensaio do ensaio” e de piratas históricos ou atemporais insinua aqueles tempos nos quais ainda havia terras míticas, misteriosas, paradisíacas, a ser descobertas pelo ser humano. Mas isso se dá pela via de certo surrealismo ou realismo mágico. Essa aura aparece em povoados incrustrados no interior que podiam ser cidades-irmãs de Macondo (em Ancestralidade), Comala (em A respeito de observar mulheres em flor num campo de frutinhas vermelhas) ou, ou... Caldas da Rainha? Poços também está lá, no conto Pedra-Balão, com uma profusão de ervas que também aparecem Terra dos Dinossauros. São espaços de anacronismos, talvez, mas as narrativas também indicam que o retorno ao primitivo é a última esperança para que o planeta não colapse e a humanidade seja mais compassiva. Enfim, é grande literatura, matutando sobre as grandes questões, num diminuto volume.  

Daniel Souza Luz é jornalista, escritor, revisor e professor






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