Monday, January 24, 2022

Ópera Geológica, de Marcos Silva (resenha)

Esta resenha foi publicada na página 9 do Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG) em 22 de janeiro de 2022. Não passou por revisão; depois, se necessário, faço correções. 

Depois de conhecer a prosa do professor Marcos Sturaro Silva, cuja plaquete Aqui, Ali, Todo Lugar foi lançada conjuntamente com este livro de poesias há duas semanas em Poços de Caldas (e em dezembro do ano passado em São João da Boa Vista, sua cidade natal), há de se notar que sua poética é bastante narrativa e coloquial. Isso contrasta fortemente com o que o editor Cesare Rodrigues informa na apresentação deste livro: quando lançou independentemente suas duas primeiras obras, a influência do experimentalismo concretista e a erudição eram as marcas de Silva. Não tendo lido essas duas edições independentes e fiando-me nisto, destaco que o toque erudito ainda está lá, pois há citações nominais de Charles Baudelaire, Hilda Hilst e William Blake, além de outras, implícitas, de Machado de Assis e Guimarães Rosa, entre outros. É claro que uma releitura revela camadas nas quais essas leituras formadoras estão subjacentes, mas a contemporaneidade faz-se mais presente – ou, para ser mais exato, ao menos aquela da juventude do autor, nas duas últimas décadas do século passado. Além da conterrânea Orides Fontela e Rodrigo Garcia Lopes, há uma parte final toda dedicada a Ana Cristina César, quase um livro dentro do livro. Esta é de lavra mais recente, informa o excelente posfácio de Márcio Cenzi, que também é poeta, é íntimo de Silva e estabelece muito oportunamente as chaves de leitura do livro. Os demais poemas foram produzidos num intervalo de quase três décadas, esparsamente, então é difícil para quem já não os conhecia encontrar um eixo, ao contrário dessa coda inspirada em Ana C., que, talvez, seja ainda mais lúbrica do que a produção que a precede. O editor, que é sobrinho de Silva, cultivava com carinho a pretensão de reunir os poemas inéditos presentes neste volume, conforme ele destaca no prefácio, mas não se trata, ainda que não haja uniformidade, de uma coletânea mal-ajambrada. Cenzi afirma que os poemas foram reescritos, cortados ou avolumados com novos trechos. Ou seja, o livro não é um anacronismo e insere-se vividamente no torvelinho avassalador desta década infodêmica; o tempo hipermoderno do qual o poeta Ruy Proença fala na orelha está à espreita – “Já o fim, aquele abraço: biodecompositores esperam/ por tudo que é tipo de gente.”, vaticina o poema Do Princípio Ao Fim. Mas o tempo geológico, caro ao autor (dada a sua formação acadêmica), em que ainda há o que se ossifique, também dá o tom. Confiram em Lírica Bruta, poema de cujo verso final foi tirado o título do livro.

Daniel Souza Luz é jornalista, escritor, revisor e professor




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