Monday, April 11, 2022

Parque Industrial, de Pagu (resenha)

Esta resenha foi publicada na página oito do Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG) em nove de abril de 2022. Eu mesmo revisei o texto e incluí uma informação na última frase, aqui neste blog, a qual não consta na publicação do jornal, para fins de maior clareza: a de que é uma pena que Pagu não tenha escrito mais romances, pois foram poucos, mas ela escreveu muitos artigos na imprensa, contos, uma autobiografia e um livro de ensaios político-ideológicos. Também corrigi erros de concordância verbal e nominal que deixei passar na publicação no jornal. 

Patrícia Rehder Galvão, a Pagu, nasceu na vizinha São João da Boa Vista. No entanto, foi uma verdadeira cidadã do mundo: mais do que cosmopolita, teve uma vida de aventuras e uma militância política que lhe valeu torturas inomináveis na mão da polícia política do ditador Getúlio Vargas. A primeira vez que li a respeito dela não foi na escola, mas sim na revista de HQs underground Chiclete com Banana, do quadrinista Angeli, quando ainda era adolescente: ela foi também uma das pioneiras dos quadrinhos no Brasil, com os personagens Malakabeça, Fanika e Kbelluda. No artigo sobre a HQ dela também se mencionavam as viagens para o exterior, o trabalho como jornalista que a levou entrevistar Sigmund Freud e as sementes de soja que trouxe para o país, introduzindo esse cultivo no país. Essa história de vida impressionante proporcionou-lhe experiência suficiente para escrever Parque Industrial ainda muito jovem, aos 21 anos. No começo deste ano a Companhia das Letras o relançou, devido às comemorações do centenário da Semana de Arte Moderna de 1922 – Pagu foi musa dos modernistas. Agora é um momento mais apropriado para escrever a respeito, sem Ruy Castro poluindo o debate a respeito do modernismo com discussões bizantinas. Esta edição de Parque Industrial manteve o prefácio de 1994, escrito por Geraldo Galvão Ferraz. Notei que já o havia lido; com certeza foi reproduzido à época em algum caderno cultural dos grandes jornais brasileiros, que eu lia avidamente – deixando os livros de lado, desgraçadamente. Se eu os lesse, saberia que Galvão estava, em parte, equivocado: o panfletarismo da obra, um defeito comum na arte, é neste caso uma qualidade e não uma mácula. Afinal, trata-se explicitamente de um romance proletário. A trama captura a atmosfera do Brás, bairro operário de São Paulo, na virada dos anos 1920 para 1930, registrando amores, a luta por melhores condições de trabalho, as contradições decorrentes disso e incursões na vida burguesa de bairros mais aquinhoados. Pagu tece uma colha de retalhos bem urdida que entrelaça habilmente os destinos de personagens de origens muito variadas. Os defeitos do livro são muito outros: embora a linguagem seja moderna até hoje, com frases curtas e precisas, há uma profusão de personagens que exigem muito a atenção do leitor para que se lembre quem é quem, pois a profundeza psicológica deles e suas características não são bem trabalhadas – ou seja, uma característica de um romance realista do século 19, especificamente O Cortiço, de Aluísio Azevedo. Há certo esquematismo que leva a algumas falhas de lógica interna: num mundo sem celulares e com telefones inacessíveis à população explorada, uma operária que estava em casa já sabe da demissão de outra e até já lhe arrumou emprego antes que ela saísse da fábrica. O panfletarismo, às vezes até moralista, embora a autora e personagens critiquem a moral burguesa, só pesa a mão no capítulo Paredes Isolantes e ao final. Ainda assim, não é nada ingênuo, como afirma Galvão: os exploradores são também predadores sexuais, salvando-se o personagem Alfredo, inspirado em Oswald de Andrade, e há descrições cruas de estupros. Aliás, é muito difícil escrever sobre sexo sem cair na vulgaridade risível e Pagu o faz muito bem ao retratar relações consensuais. É uma pena que ela não tenha escrito muito mais romances, pois além desse, publicado com o pseudônimo de Mara Lobo, há apenas mais um, feito em parceria com Geraldo Ferraz.

Daniel Souza Luz é professor, jornalista, escritor e revisor





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