Esta crônica foi publicada na página 8 da edição 7958 do Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG) em 11 de março de 2023.
Paulo Caruso faleceu, aos 73
anos, há uma semana. Uma perda inestimável para o humor e a inteligência do
Brasil. Chico Caruso, seu irmão gêmeo, segue na ativa. Haverá rodízio de
cartunistas no programa de entrevistas Roda Viva, da TV Cultura, para tentar
substituir o insubstituível. Paulo desenhava ao vivo para o programa desde
1986. O primeiro será Jean Galvão e a entrevistada, apropriadamente, será a
quadrinista Laerte já nesta segunda-feira, dia 13. Fica aí o aviso para quem
ler essa crônica a tempo.
No entanto, não é sobre o
presente e o futuro que quero falar. O que desejo mesmo é me lembrar de 29 de
abril de 2012. De tardezinha naquele dia fui assistir a uma palestra sobre
humor e quadrinhos com Paulo Caruso, o quadrinista Caco Galhardo e o humorista
e desenhista Reinaldo Figueiredo – este último mais conhecido como integrante
do Casseta e Planeta, no qual fazia a impagável caracterização de Itamar Franco,
quando imortalizou o bordão “É pro Fantástico?”. Galhardo tem (ou tinha, não
sei) familiares morando em Poços de Caldas e, pelo que sei, intermediou a vinda
dos outros dois para a Flipoços.
Na palestra, em meio a muitas
risadas, trataram de um tema premente e que hoje é tido como “mimimi” pelos
fachos: até onde iria o limite do humor e como não incorrer em preconceitos. O
modelo baseado em homofobia, misoginia e racismo já estava desgastado e, bem,
jamais deveria ter sido tolerado. Fato é que todos já praticaram, antigamente
havia menos consciência a respeito ou achava-se que a liberdade de expressão
permitia qualquer discurso ofensivo a pessoas fragilizadas. Permitir, sempre
permitiu e ainda permite, mas cada um que arque com as consequências.
Chegou-se à conclusão de que a solução era fazer piada inteligente com os preconceitos e não os reforçar. Então Paulo Caruso contou uma piada da qual nunca me esqueci, pois o público e os palestrantes caíram na gargalhada e eu também. Era assim, só me escapa um detalhe (o time mencionado, mas creio que era uma carioquice, então vou chutar): “O sujeito viu um anão negro vindo na calçada, quando chegou mais perto reparou que ele usava uma camiseta do Botafogo e que tinha trejeitos. Quando passou por ele, notou que o anão também usava um kipá. O sujeito não resistiu e correu atrás dele para comentar: ‘Desculpa falar, mas notou que você é o estereótipo de todas as piadas?’ e o anãozinho respondeu, virando o pulso: ‘Usted ainda no lo sabes el mejor’”. Gostaria de dizer que foram as piadas de argentino que meu amigo Roberto Fernandes Júnior contava na adolescência que me fizeram rir, mas o fato é que sou de uma geração bem desrespeitosa. E essa piada, no fim das contas, é muito preconceituosa. Ainda não tinha aparecido a dupla Key and Peele, que fazia piadas engraçadíssimas detonando racistas e preconceitos em geral. Não tem ninguém do meu tempo que jamais deu uma escorregada. E vamos sentir muita falta do Paulo Caruso.
Nunca vi essa piada em
lugar nenhum, nem mesmo na web. Mesmo correndo o risco de ser cancelado onze
anos depois, achei melhor registrá-la. Meu compromisso é com o jornalismo e a
literatura. Mal aí.
Daniel Souza Luz é escritor,
jornalista, professor e revisor
Paulo Caruso desenhando no Roda Viva em 2009. Foto de Sílvio Tanaka/TV Cultura, reproduzida aqui via Creative Commons. |
Paulo Caruso em 2009. Foto tirada por Silvio Tanaka/TV Cultura e reproduzida aqui via licença Creative Commons. |
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