Monday, November 29, 2021

Escritos Negros: textos contemporâneos

Esta resenha foi publicada no Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG) em 27 de novembro de 2021.

Esta outra coletânea lançada pela TAG, a exemplo de Uma Outra História, que tem o mesmo subtítulo, tem também como objetivo comemorar o Dia Nacional da Consciência Negra, que foi no sábado passado. É, no mínimo, uma leitura tão ótima quanto sua companhia. Particularmente, achei melhor, ainda mais forte. Como no outro volume, a tônica é dada na introdução, escrita pelo editor Luiz Mauricio Azevedo. Tomo a liberdade de reproduzir parte do início do seu texto, pois é muito seminal: “No Brasil, há uma ideologia literária da cor, que incide sobre aquilo que consideramos boa ficção. [...] Nesse deplorável projeto político de branqueamento cultural, aprendemos a reduzir Machado de Assis à ironia, Cruz e Souza ao exotismo poético e Lima Barreto ao alcoolismo”. Para captar, em parte, a diversidade das letras afro-diaspóricas, o livro não se resume apenas à literatura escrita por autores do Brasil, pois, como o próprio nome explicita, os descendentes de africanos retirados à força do continente espalharam-se por todo o mundo, particularmente pelas Américas. O primeiro texto, na verdade, é terno; nele, a autora afro-cubana Teresa Cárdenas Angulo rememora seu contato com os livros, seu fascínio com a escrita, sua decepção em notar que não havia personagens negros na literatura canônica ou mesmo nas mais vanguardistas e seus passos para se tornar uma escritora. A grande pancada no estômago vem com o texto seguinte, o conto Filsan, da escritora somali Nadifa Mohamed. É o momento mais visceral das duas coletâneas. Trata-se da história da militar que dá nome ao conto, premida pela solidão, inadequação e pressão para que seja melhor do que suas e seus colegas; o sexismo do qual é vítima acabará por vitimar civis. É de se perguntar se a autora não ampliou uma narrativa tão promissora num romance de longo fôlego. Uma leitura muito oportuna que vem a seguir é o pequeno, mas revelador, ensaio que Jeferson Tenório faz da sua trajetória enquanto escritor negro e quais implicações isso traz a ele e seus leitores. Nele Tenório aborda o processo de escrita e divulgação de O Avesso da Pele, que o levou a conquistar o prêmio Jabuti de melhor romance literário anteontem. Segue-se a este ensaio outra transcrição do bate-papo entre Marcelo D´Salete e Allan da Rosa, também presente em Uma Outra História, e nota-se que, na verdade, o início da conversa está neste volume. Particularmente revelador no diálogo, ao menos para mim, é o impacto que a revolução que levou à independência do Haiti, influenciada pela religião vodu, teve na cultura negra no Brasil e em inúmeros processos políticos no continente. Por fim, há mais um ensaio sobre o processo formativo de leitora e escritora, desta feita da escritora mineira Cidinha da Silva, que é muito direta sobre suas preferências e desinteresses. É ela quem traz as referências mais diversas e neste ensaio consolida-se de vez no leitor a importância do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD Literário), responsável pela distribuição de centenas de milhares de livros em bibliotecas públicas e de escolas, citado até mesmo por Teresa Cárdenas na difusão da sua obra no Brasil.   

Daniel Souza Luz é professor, jornalista, escritor e revisor




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