Monday, November 22, 2021

Uma Outra História – textos contemporâneos

Esta resenha foi publicada no Jornal da Cidade (de Poços de Caldas/MG) em 20 de novembro de 2021. 

O clube literário TAG acerta mais uma vez numa coletânea. Desta feita, essa foi lançada para comemorar o Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado hoje, dia 20 de novembro. É um acompanhamento para o romance deste mês, e que bônus! São textos que refletem sobre a presença de autores negros não apenas na literatura, como também nas relações sociopolíticas em todo o mundo, muitas vezes de um ponto de vista que expressa o pensamento decolonial, que rejeita o supremacismo cultural eurocêntrico. A introdução, escrita pela professora Zélia Amador de Deus, é ótima e estabelece um eixo comum a muitos dos textos de coletânea: a obra literária de Toni Morrison, autora de Sula, que foi lançado pela TAG neste ano e o qual já resenhei. Zélia me deu a ideia de que seriam ensaios acadêmicos, mas ledo engano o meu. O primeiro é do incensado Itamar Vieira Júnior, escritor baiano que venceu inúmeros prêmios com o romance Torto Arado no ano passado, incluindo o Jabuti. Ele tangencia o ensaio pessoal, ao falar de sua relação com bibliotecas, uma das quais no bairro onde viveu Jorge Amado, e, também, demonstra que, antes de chegar em Morrison e outros autores negros, passou por clássicos da literatura juvenil brasileira e clássicos como Thomas Mann, Fiódor Dostoiévski, José Saramago e Jorge Luis Borges. Ou seja, não há uma repulsa à literatura de autores brancos europeus ou que dialogam com a tradição ocidental, mas sim um rompimento com o viés elitista que rejeita outras vivências e/ou produções fora dos centros culturais usuais. No entanto, após certa digressão, ele opta por produzir um ensaio mais convencional mesmo, ainda que sem viés academicista, a respeito do prazer da leitura e sua potencialidade educacional. Quem faz um ensaio pessoal a respeito do contato com os livros e o posterior mergulho na literatura produzida por negros, em especial por mulheres negras, é Djamila Ribeiro. Ainda eu que tenha reservas com relação a sua arrogância midiática (vide os ataques que ela fez à militante Letícia Parks, também negra, mas desprezada por Djamila por não ter a pele retinta), não tem como não admirar sua postura editorial, cujas razões são esmiuçadas no seu belo ensaio. O texto seguinte é o melhor da coletânea e é da lavra da haitiana Edwige Danticat. Publicado originalmente na prestigiada revista New Yorker, a bíblia do jornalismo literário, é uma mistura vigorosa de texto de memórias e ensaio pessoal. Tem a grande qualidade do texto literário, mencionada no ensaio de Itamar Vieira Júnior e perseguida obsessivamente pelo jornalismo literário (que é o jornalismo aprofundado que despreza as convenções jornalísticas do texto com lide e pirâmide invertida, não sendo necessariamente o jornalismo que cobre literatura): a capacidade de nos transportar a locais onde nunca estaremos, eventualmente num passado distante, e a experimentar vividamente histórias e sensações de outrem. Segue-se ao brilhante relato dela, um doloroso epitáfio para uma haitiana cuja existência evola junto ao seu país, um riquíssimo bate-papo entre o quadrinista Marcelo D’Salete e o dramaturgo e historiador Allan da Rosa. Mesmo quem já tem algum conhecimento das referências que eles evocam tem muito a aprender com o diálogo registrado, que relembra personagens e autores quase apagados pelo racismo estrutural. Por fim, há um complexo ensaio, ainda que curto, do congolês Alain Mabanckou. Depois de sair da África e imigrar para a França, residindo atualmente nos EUA, ele investiga as contradições que os imigrantes vivem e como as identidades transfiguram-se. Da sua vivência ele arranca conclusões instigantes sobre a condição humana. Leiam com atenção redobrada.

Daniel Souza Luz é professor, revisor, jornalista e escritor






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